Capítulo 6: Adeus

Diogo Stone
14 min readOct 29, 2020

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Será o fim? Arte da sempre alerta e perdendo o sono comigo, @Iwakika.

ATENÇÃO! Esse conto pode conter spoilers de algum romance de Tormenta.

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ANTES.

Caía numa imensidão sem fim. Era como em um sonho, onde a queda termina com um solavanco ao atingir o solo e acorda-se assustado. Mas a cratera em que caíra não tinha fundo. Dias? Anos? Milênios? Não sabia mais dizer. Aos poucos acostumou-se com a sensação de não ter mais uma identidade, de apenas existir em uma queda infinita. Achou que não poderia cair mais, mas tinha se enganado. Quando deu conta de si, não havia mais queda, nem lado, cima ou baixo. Já não estava mais sozinha, pois ela era tudo — tudo era ela. Tudo era vermelho. Tudo era lefeu.

AGORA.

— Não. Qualquer um, menos você… — balbuciou. — A deusa dos elfos está morta!

Glórienn sorriu.

— Sim, minha filha — sua voz era um misto aberrante e doce. — Ela está morta!

Golpeou com seu braço lâmina na direção da elfa, mas com agilidade, Sedrywen saltou para trás. Suas pernas ainda tremiam e teve dificuldade em se aproximar de seu amado que estava caído. A ex-deusa dos elfos caminhava em sua direção devagar e rindo. Suas feições estavam mais grotescas, seu peito deformado ainda tinha três apêndices e sua língua parecia com uma lacraia amarronzada. Seus olhos exibiam um vermelho insano, mas a agilidade, sagacidade e até mesmo a graça, eram élficas. Singular.

— Que hora pra isso Zanshin — Sedrywen pegou as duas katanas e as ergueu em frente ao corpo. — Kuraiga, me dá uma força aqui, vai!

O demônio das sombras saltou do corpo caído do tamuraniano e envolveu as lâminas. Os cabos se agitaram em suas mãos, viraram-se um para o outro e se uniram. As lâminas curvadas das espadas formavam um grande arco envolto em chamas negras.

— Achei que assim fica mais do seu jeitinho — até a voz dele soava abafada.

Sedrywen sorriu e fez o gesto que treinou como a própria vida, o de preparar o disparo de uma flecha. Uma corda fantasmagórica e uma lança de trevas se formou em suas mãos. O primeiro tiro, silenciou a risada de Glórienn, o segundo a irritou, os outros oito que vieram em seguida a fizeram bradar de raiva. A anticriação pareceu tremer.

Prunna e Mu terminavam de acudir Enki quando prestaram atenção na amiga que disparava os maiores projéteis que já viram contra o monstro. Observaram com horror que a criatura era a própria ex-deusa dos elfos. Não confiaram em seus olhos num primeiro momento, mas logo não tiveram dúvidas. Os dois saltaram na direção da batalha enquanto o jovem dragão se dirigia até o tamuraniano caído.

A dahlan chegou num piscar de olhos e disparou uma barragem elemental na abominação. Fogo, gelo, ácido, magia arcana pura. As vezes um disparo falhava, mas se irritava e logo algum feitiço emanava da música que cantava. Mu velejava em um navio de fumaça, e a cada comando dado em voz alta, uma esfera de ar maciça atingia Glórienn. Infelizmente, agora ela era mais ágil do que quando possuía o corpo aberrante. Ela saltou sobre uma das flechas de Sedrywen, alcançou a altura de Prunna e desferiu um golpe rápido, mas, felizmente, não fora letal. Mu desfez sua embarcação para aparar a amiga e a ex-deusa dos elfos voltou a atacar a arqueira, que dividiu seu arco para aparar os golpes com as espadas.

Enki prestava socorros a Zanshin. Em pouco tempo, o corpo do garoto já havia se transformado completamente. Era um dragão longo de escamas verdes e negras com chifres rosados. Tocava a ponta do nariz no homem, soprando uma brisa regenerativa. Logo, o tamuraniano estava de pé e via Sedrywen enfrentar Glórienn com suas armas. Surpreendeu-se com quem era a criatura, mas não tinha tempo para pensar sobre. Seus olhos começavam a relampejar com um brilho esmeralda, sacou o estandarte de Lin-Wu que carregava e, logo, o ar ácido ao seu redor fumegava com os raios que o envolviam.

— Garoto — sua voz estava calma, apesare de tudo — , você pode me levar até lá?

O dragão assentiu, Zanshin pulou sobre suas costas e em segundos já estavam enfrentando a criatura também. O tamuraniano se pôs entre às elfas e começou seu duelo com a aberração, dando espaço para que Sedrywen se afastasse e fosse ver como os outros estavam.

— É hora do plano B galera — Mu dizia vendo Sedrywen se aproximar.

— Do que tu tá falando? Aquilo é Glórienn! — Prunna largou exaltada.

— Disso — de dentro de uma pequena bolsa, o homem ergueu uma joia redonda e vermelha, cabia na palma de sua mão. Um rubi da virtude.

— De onde tu… — mas foi interrompida.

— Não importa. Toma Sedrywen, você é mais rápida que a gente e vai conseguir meter isso aí na cabeça dela. O poder divino deve quebrar esse transe da tormenta. Acredite em mim, eu pesquisei muito sobre esse rubi — falou com convicção.

A elfa estava prestes a comentar que os rubis não possuíam mais a essência dos deuses, mas parou com a boca aberta. Sentia o calor emanar da joia, havia uma presença divina ali, o que destoava de tudo que se sentia na não-realidade. Era algo. E a proximidade com isso despertava nela um poder conhecido. A gema continha a energia de Glórienn, não tinha dúvidas. Assentiu para os colegas e voltaram para a batalha.

Com o rubi entre os dedos, Sedrywen disparou duas lanças negras imbuídas com o poder da própria ex-deusa, que cambaleou co o impacto, mas escolheu continuar investindo contra o tamuraniano. Com sua visão periférica, o homem notou seus amigos e, com isso, ergueu o estandarte para cima — ou para o lado, já não tinha mais certeza — e relâmpagos começaram a emanar da flâmula.

— Isso, fique paradinho — Glórienn cuspiu com um sorriso malicioso.

Mal acabara de falar quando sentiu a primeira esfera de fumaça contra as costas forçando-a a arquear o corpo. Mu criava bolas esmagadoras enquanto Prunna as atirava com uma imensa força mágica. O homem pensou em um comentário sobre magibol, mas se concentrou em continuar a invocar os balaços. Sedrywen aguardava o momento de se aproximar.

A distração foi o suficiente para que Zanshin juntasse toda sua força divina no estandarte. O símbolo da amizade que tinha com um homem que perdera a vida defendendo o que acreditava ser justo e honrado. Seria a primeira vez que usaria o golpe que preparava, mas já havia recitado aquele mantra inúmeras vezes. Jamais esqueceria a técnica especial de Do-Myu. Com a voz ressoando como um trovão, vociferou enquanto atacava.

— O imperdoável julgamento tempestuoso verdejante do único e verdadeiro imperador, o grande dragão de jade!

O corte não acertou só Glórienn, acertou o lefeu. A realidade. O corte partiu a dimensão e, até Benthos, de longe, parou para ver. O relâmpago que irrompeu da lâmina fragmentou a anticriação, abrindo uma fenda negra em meio a vermelhidão infinita. No meio da não-realidade, agora havia o vazio. Sedrywen se atirou sobre a ex-deusa que flutuava naquele espaço desorientada. Não tinha tempo à perder, o nada já estava sendo consumido e se tornava aberrante mais uma vez. Antes que a fenda se fechasse, a elfa acertara a cabeça da mãe da nação élfica com o rubi e, num lampejo, as duas não estavam mais na tormenta.

— Filha… — a voz soturna de Glórienn a assustou mais que a mudança de ambiente.

— Que merda é essa?! — soou mais grosseira do que gostaria.

— Estamos no único local seguro da anticriação. Estamos em suas memórias.

Sedrywen vasculhou os arredores, e notou que era verdade. Lembrava daquela mata nos arredores de Lenórienn e, em pouco tempo, começou a ver vários rostos conhecidos. Todos élficos. Podia ver várias pessoas que fizeram parte de sua infância, fazia tanto tempo que poderia ter sido em outra vida. Não pôde conter lágrimas ao ver Cuthalion uma outra vez e assustou-se quando sentiu um toque em sua mão. Era Marilinaviuncen, a elfa que ajudara a descansar em paz recentemente. Lembrou-se de como a curou e de como sentira o poder de Glórienn.

— Você estava lá aquele dia — dizia segurando firme a mão de Mari — , você a ajudou, não foi?

— Querida — começou com a voz embargada — , eu não sou mais deusa. O poder desse rubi é a única coisa que me mantém sendo quem fui um dia, e isso não durará muito tempo. Eu não vim pedir seu perdão, nem teria coragem para isso. Tornar-me mortal me fez enxergar o que o orgulho do qual eu usei para moldar os elfos causou de ruim à mim… à vocês.

A ex-deusa desabou chorando de joelhos. Sedrywen franzia o rosto, não queria derramar lágrimas por quem havia usado sua raça e depois largado a própria sorte. Sem deusa, sem nação. Sem nada. Mas algo a inquietava, a unia aquele sentimento.

— Eu… — começou se recompondo — agradeço por vocês terem me dado essa oportunidade. Sem isso, eu nunca poderia lhe contar a verdade.

Sedrywen tentou falar algo, mas não conseguiu e lágrimas começavam a escorrer contra sua vontade.

— Eu fui fraca, tola e inconsequente. Mas se teve algo de bom que fiz em minha vida, foi cuidar de minhas flechas e dispará-las nos locais certos de Arton. Assim, elas não acabariam como eu. Os milagres que você fez, nunca vieram de mim, Sedrywen, você nunca foi uma beata de Glórienn — sorriu triste. — Você sempre foi minha filha, a divindade sempre esteve em ti.

Podia sentir o coração martelar o peito. Se gritou pela ex-deusa dos elfos, não sabia dizer, se chorou por anos, também não. Quando deu conta de si, estava de joelhos sobre um solo esponjoso, fétido e amarronzado. Tudo ao seu redor era vermelho, exceto o rosto preocupado de seus amigos. Em seus braços, viu sua mãe pela última vez. A elfa de cabelos roxos e feições deformadas pela tormenta, aos poucos ia se desfazendo em fragmentos rubros que pareciam serpentear e unir-se ao próprio ar. Sedrywen encarou o rosto tranquilo de Glórienn uma última vez. A deusa sorria.

Não tiveram tempo para conversar sobre o acontecimento, afinal, ainda estavam na anticriação. Contudo, combinando seus esforços, o grupo finalmente avistou a fenda dimensional por onde haviam entrado. Um a um atravessaram o portal sem pestanejar. O último fora Benthos, que lutou até o último segundo em sua forma humanoide antes de saltar de volta a Arton. Todos arfavam, cobertos de crostas vermelhas, ácido, gosma e com a pele queimada. Mu começou a rir balançando a cabeça desacreditado. Logo, seus companheiros o imitavam. Haviam sobrevivido ao inferno.

Começaram a se arrastar para fora da dimensão de bolso, onde os diabretes se entreolhavam em silêncio. Os aventureiros ainda riam. O dragão-rei enxugou uma lágrima enquanto recuperava o fôlego, dizendo entre suspiros.

— Vão na frente, eu já vou.

Deram de ombros e seguiram em frente. O frio da súplica de belugha nunca foi tão agradável. Prunna respirou fundo e aproveitou o ar gelado. Não era ácido e bizarro, mas sim branco e puro. Abraçou-se a Sedrywen e desabou em lágrimas. Enki abraçava-as pela cintura. Mu e Zanshin apoiavam-se um no ombro do outro. Um sorriso largo estampava seus rostos.

— Seus cabelos — a dahlan começou soluçando— Eles… estão roxos. Você fica linda assim.

— Como eu senti falta dessa voz! — a elfa disse voltando a envolver os braços no pescoço da amiga.

De repente um rugido chamou a atenção. Gritos estridentes, carne sendo rasgada, madeira e rocha sendo destruídas. A parede da forja esverdeou, derreteu e ruiu. Benthos saía da forja carregando uma gema azul em sua mão. Sua Ira. Havia destruído cada milímetro da dimensão de bolso e matado cada diabrete diversas vezes, até que parassem de renascer. Aproximou-se do grupo com suas feições draconicas sumindo aos poucos, respirava pesadamente e estendeu a mão para Prunna.

— Está. Tudo. Bem — falava pausadamente. — Por. favor…

A dahlan se aproximou, não sentia medo. Sentia-se viva finalmente. O dragão-rei tentou aproximar a joia da coroa, mas não conseguia. Prunna tomou a mão dele nas suas e o ajudou. Com um sopro que lembrava a brisa do mar, os dois conseguiram incrustar sua ira na coroa dos mares.

— Eu prometi não deixar que a raiva me dominasse — afastando a mão da pedra, conseguia falar tranquilamente — , agora você é a fúria dos oceanos, minha rainha.

Abraçou-a com força e a beijou. A sensação de que o tempo não passava voltou. Mas dessa vez, de uma maneira boa. Zanshin agora abraçava Sedrywen, que começava a explicar seu encontro particular com Glórienn e as revelações que tivera.

Ouviram um tossido, um baque e barulho de neve sendo remexida. Mu estava caído e sua pele parecia estar secando, empalidecendo. Se apressaram para acudi-lo e Enki esfregava as mãos sobre o peito de seu tio, mas não parecia surtir efeito. O homem caído ria.

— Mas que porra é essa Mu? — Prunna estava indignada.

— Eu não quis dizer nada, mas da última vez que passamos por aquele portal medonho, meu ferimento foi mortal também. Só que foi bem quando o desgraçado do Ragnar caiu, olha minha sorte — riu. — E com isso eu acho que consegui passar a perna na morte de algum jeito. O que foi bom, por que eu precisava ficar de pé por você, Prunna. E pelo Enki, claro. Eu não poderia abandonar vocês, um amigo de verdade jamais faria isso.

Seus olhos estavam leitosos, a roupa rasgada no mesmo lugar onde havia sido golpeado por Glórienn na primeira vez que estiveram na não-realidade. Sua voz começava a soar mais funda, cadavérica.

— Não, não, não! Eu esperei… sei lá quanto tempo passou! Eu vou te trazer de volta! — a dahlan já brilhava com poderes arcanos.

— Ih Prunna, relaxa. Tô afim não — não perdia o humor, só a vida. — Eu desafiei Lamashtu, a morte, uma deusa, a tormenta e até a anticriação. E eu venci todas as batalhas. Todas! — sorria.

— Tio… — o garoto tentou, mas chorou.

— Oh caramba, não era pra vocês ficarem tristes não! Eu só tô me aposentando, gente. Só isso! Podem me visitar quando quiserem lá nos mundos dos deuses e tal.

O grupo estava ajoelhado na neve fria em volta dele. Enki estava com a cabeça deitada sobre Mu, inconsolável. O homem passava o olhar por todos. Estava tranquilo.

— Ah Sedrywen e Zanshin, olha só vocês — tossiu. — Semi-deuses… eu sabia que se entendiam.

A elfa e o tamuraniano sorriam, mas não conseguiram dizer algo ou conter suas emoções.

— Prunna… oh rainha do mar, fica triste não. Cê tem uma vida toda agora pra desfrutar com o maridão e o guri mais inteligente que eu já vi. Eu sempre vou estar junto de ti, aí dentro — apontava um dedo fraco em direção ao peito da mulher.

A dahlan chorava copiosamente, mas sorrindo.

— Eu vou dar na tua cara, seu idiota — xingou uma última vez em meio aos soluços.

— Enki, garotão. Toma conta da sua mãe, viu? E se o peixão ali encrencar dá uma surra nele — sorriu triste para o garoto que não conseguia mais articular palavras — Se cuida meu filho.

O rapaz apertou o abraço no tio caído, apertado e sofrido.

— Oh Benthão… Eita caramba, perdi o respeito mesmo — riu. — Valeu amigo.

Se o dragão-rei chorou, ninguém viu. Silêncio e lamúria era o que restava. Mu partiu para o reino dos deuses.

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EPÍLOGO

ARTON. KHUBAR. 1425.

O garoto correu porta afora apressado. Tinha muitas ideias na cabeça e não podia deixá-las esfriarem ou perderia o foco. Havia juntado os vários feitos de seu tio num caderno e agora precisava contá-las, espalhá-las. Precisava fazer com que o povo o conhecesse.

— Onde você vai, rapazinho? — a dahlan chamou olhando-o pela janela.

— Desculpa! — gritou correndo de costas para olhar sua mãe enquanto se afastava — Eu preciso levar essas histórias até a cidade. Com certeza as pessoas ficarão fascinadas pelas grandes façanhas do futuro deus da perseverança! — sua voz foi sumindo na distância.

Prunna balançou a cabeça sorrindo. Sentia orgulho de Enki. O menino tinha passado os últimos cinco anos escrevendo sobre as aventuras que viveu com Mu. Anotando cada detalhe que conseguiu extrair de suas lembranças e de outras informações que seus tios contavam.

— Ele vai ficar bem? — Benthos perguntou abraçando a mulher.

— É claro que vai.

— Acho que ele deveria chamá-lo de deus da teimosia, combinaria melhor — riram da lembrança agridoce. — Vamos, fúria dos mares?

— Eu pago a passagem.

Com um beijo, a dahlan teleportou os dois para o fundo dos mares, onde teriam assuntos de um reino para resolver.

ARTON. TREBUCK. 1425.

Seis setas cravaram uma atrás da outra na carapaça da criatura. Antes que ela tombasse, Zanshin chutou seu corpo para longe. Golpeou outra aberração e um relâmpago verde irrompeu de sua espada, incinerando outros três. Seus olhos se arregalaram quando viu Sedrywen mirando contra ele. Ouviu oito disparos e oito monstros caíram atrás do homem. Suspirou aliviado.

— Qual é? — a elfa, agora de cabelos roxos, soava descrente. — Você realmente achou que eu te acertaria.

— Desculpe, é que eu ainda fico nervoso nesse lugar. É tudo esquisito. Vermelho — limpou suas espadas e as embainhou.

O tamuraniano se aproximou da mulher e tomou sua mão. Haviam feito várias incursões àquela área de tormenta. E a cada vez, ela mudava tanto que não conseguiam distinguir onde já estiveram e para onde deveriam ir.

— Vai ser difícil encontrar o coração deste lugar — concluiu cansado.

— Nós sabíamos que não seria fácil.

Ficaram ali se olhando por uns instantes enquanto a ar corrosivo lhes ardia os olhos. Sorriram um pouco tímidos. Aquele sentimento bobo que tinham um pelo outro era seu bem mais precioso. Deram um beijo rápido e olharam ao redor. Várias criaturas guinchavam e se aproximavam.

— Sinto falta de saltar pelo espaço com o Mu, era mais rápido.

— Disso e de outras coisas que ele fazia — concordou.

Entreolharam-se.

— Pronto, filho de Lin-Wu?

— Pronta, filha de Glórienn?

ODISSEIA. O CALABOUÇO DO DESAFIO. 1420.

O homem caminhou devagar pelo local. Os biomas mudavam com velocidade, assim como as bestas que tinham por lá. Mas por algum motivo, quando passava, elas ficavam em silêncio. As pessoas que batalhavam com as criaturas, ou presas em armadilhas, ou conversando ao redor de fogueiras, observavam-no atônitos. Parou e olhou para si mesmo algumas vezes; estava bem, não estava sujo e vestia suas calças. Não via motivos para chamar tanta atenção.

Já havia andado por bastante tempo e começava a ficar entediado. Finalmente adentrou um grande salão onde havia apenas uma mesa grande e farta e, ao fundo, um trono vazio sobre um pedestal. Fez um muxoxo e se aproximou do banquete, estava com fome mesmo. Puxou uma coxa de frango e começou a comer quando uma voz o assustou.

— Bem-vindo — a voz era incisiva — , Mu.

O homem largou a comida e limpou a mão nas roupas rapidamente.

— Ah! E aí, tudo beleza. Era você que tava me chamando lá nas uivantes, né? Que lugar é esse? É sua casa?

— Casa? — a mulher riu — Um aventureiro de verdade não tem casa. E eu passei tempo demais presa aqui.

— Ih é mesmo, né? Eu, por exemplo, não tinha uma casa, e acho que nem queria ter também — levou a mão a testa emitindo um ruído. — Ah, é. Eu morri, né?

— É, você deu adeus à Arton.

— Um aventureiro de verdade nunca dá adeus — provocou.

Os dois ficaram se olhando por um tempo. A mulher parecia mudar de aparência sempre que ele piscava. Ela era movimento, mudança, adaptação. Isso o lembrou um pouco da tormenta e isso fez seu corpo estremecer. A donzela o olhou de cima à baixo, analisando tudo que ele carregava. Balançou a cabeça e riu novamente.

— Uma couraça de Khamyr? Eu poderia considerar isso heresia, sabia?

— Mas não vai. Você quer que a gente desafie tudo mesmo… — desviou o olhar enquanto zombava, voltando a olhá-de soslaio.

— Você vai me desafiar também, moleque?

Agora ela parara de mudar. Era uma mulher alta. Vestia uma armadura completa, tinha um olhar provocante e um sorriso afiado. Seus cabelos vermelhos eram adornados por uma belíssima coroa. A coroa do Panteão.

— Cai dentro, mané!

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Diogo Stone
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Written by Diogo Stone

Diogo é programadore, escritore, game designer e hater de impressoras. Uma pessoa entusiasmada que escreve contos de fantasia aqui e regras de RPG na Naiá Jogos

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