Ciclos
A garoa fina banhava o jardim da mansão Himekawa. O frio inundava os aposentos, mas a lareira quente afastava o ar gélido do quarto do casal. Sedrywen repousava ao lado de um pequeno berço improvisado enquanto Zanshin, sentado, encarava a chuva em silêncio. Azgher se negava a surgir entre as nuvens, mas o homem agradecia por isso. Apreciava aquela calma e o ruído da água durante suas meditações.
Um movimento da elfa dormindo atraiu sua atenção e quebrou sua concentração. Hoje não estava sendo fácil limpar a mente, pois seus pensamentos estavam sendo drenados pela análise que fazia.
Encarou a distância e avistou a sombra fugaz do monte onde Myuamotto, seu amigo, havia sido enterrado. Lembrou de sua infância, das brincadeiras e de como a honra dele fora passada adiante para Douglas. Sorriu ao lembrar do pequeno goblin que lutara com ele para provar-se digno.
Do-Myu viveu e morreu de forma tão honrada, que soubera por Lin-Wu, que o pequeno ainda estava por Arton. As várias voltas que a roda celestial dava eram curiosas. Num dia, ele era um aventureiro, noutro, uma alma que instigava confiança e heroísmo.
Suspirou. Por algum motivo essa corrente de acontecimentos não saía de sua cabeça. Sua vida vinha seguindo uma sequência de acontecimentos tal qual as filas que formigas formam. A perda de Do-Myu foi precedida pela perda de Prunna. A mera lembrança da dahlan se perdendo na escuridão rubra apertava seu peito.
Contudo, a partida de Douglas também foi sucedida pela chegada de Mu e Sedrywen a Tamu-Ra e, pouco tempo depois, partiram para a Anticriação procurar por Prunna. A ida até a dimensão lefeu havia sido a experiência mais aterradora de sua vida. Não sentia a presença de Thyatis, seus sentidos o enganavam, sua individualidade gritava para deixá-lo.
Quando retornaram, mais um ciclo se fechava. Mu partiu, iniciando assim sua nova vida no mundo dos deuses. Não tinha dúvidas que o amigo falastrão e habilidoso havia feito novas amizades e vivido aventuras que pareceriam mentira. Pensando bem, vindo do Mu, talvez fossem mentiras se ele contasse.
Mas outra vez, as voltas da roda celestial fechavam. Dessa vez, quando Mu e Prunna apareceram para ajudá-los em Nivenciuén. Enfrentar Zenon havia o marcado. O homem, ou o que restou dele, havia sido pervertido pela tempestade e tomado pela mente lefeu. Tudo isso graças ao seu orgulho e a sua devoção cega à Glórienn. Lembrar da ex-deusa dos elfos o fez olhar para Sedrywen instintivamente.
Zanshin desviou o olhar para o berço ao lado da cama. A criança repousava quieta com um leve sorriso nos lábios. Admirou as orelhas levemente pontiagudas e voltou a encarar a chuva que caía suave. Um novo ciclo iniciou-se naquele dia em Nivenciuén, quando descobriram que Sedrywen estava grávida. Há dois dias, essa volta da roda celestial se encerrou. O nascimento de Linriénn foi o momento mais feliz de sua vida.
Suspirou mais uma vez buscando concentração para meditar, mas antes de limpar sua mente, um pensamento inquietante cutucava o fundo de sua cabeça: “O novo ciclo começa agora, mas, como será que ele termina?”