(Des)crença
Se aproximou da construção devagar, não tinha pressa para chegar onde não queria ir. Se dirigir até aquele local, certamente o faria torcer o nariz, se pudesse. Olhou acima do arco do templo e viu o símbolo sagrado de Wynna “Deusa da Magia”, como a chamavam. Absurdo.
Por que esses extraplanares gostavam tanto de serem idolatrados? Costumava pensar, mas refletindo sobre isso, muita gente gostaria de ter uma horda de fanáticos que dedicam suas vidas a te adorar como algo sobrenatural, divino. Deu de ombros e teria estalado a língua, se pudesse.
Adentrou o salão principal onde alguns devotos estavam salpicados pelo local. Rezando, conversando e fazendo ilusões enquanto contavam histórias. Parecia mais uma taverna do que uma igreja, o que era bom — detestava os locais de oração de forma geral. Aproximou-se do que parecia ser um altar onde repousava apenas uma pequena estatueta de uma mulher. Balançou a cabeça e deu dois passos em direção da porta, era idiotice tentar algo sem ter uma crença genuína. Contudo, impediu-se de desistir e deixou a razão de lado para arriscar. Sentou-se em um dos vários bancos e teria respirado fundo, se pudesse.
— Wynna — começou baixinho, esperando que não o ouvissem falando sozinho como um imbecil — , dizem que você é a deusa da magia. Vou ser sincero, não acredito que tal coisa como deuses existam. Entretanto, eu acredito no poder e sei que existem seres que extrapolam meus conhecimentos.
Olhou nos arredores, continuava só.
— Dizem que você pode conferir poderes mágicos a qualquer um, mas, bem, eu já aprendi os mistérios arcanos ao voltar dos mortos. Porém, só com esses poderes, não posso curar e desafiar a morte como fazem os Clérigos. Não consigo trazer meus filhos de volta só com o conhecimento que tenho, não por completo. Sei trazer apenas seus corpos, mas talvez juntando isso com seus poderes… enfim, o que eu precisava de você era uma pequena ajuda — parou um tempo pra escolher palavras que não ofendesse o vazio para o qual se dirigia. — Precisava usar o que chamavam de magia divina, uma piada, claro. É apenas um tipo de magia que precisa de um contrato com um extraplanar poderoso.
Sentia-se um tolo. Ouvia os burburinhos do local enquanto as pessoas conversavam animadamente. Não podia ser um local sério e já não entendia bem por que estava se submetendo a isso.
— Você pede que os fanáticos que te seguem ensinem magia e usem-na para proteger. Pede que pratiquem a bondade e não matem seres mágicos. Bem, eu nunca fiz nada disso, eu sou um médico afinal de contas. Meu interesse é salvar vidas.
Eu sou um médico. A frase ressoou no seu crânio vazio, trazendo-o de volta a realidade.
— Quanta bobagem — resmungou enquanto se levantava, dirigindo-se a saída com passos largos.
Antes que colocasse os pés para fora, fora abordado por uma acólita; uma elfa com belas feições que o lembrava de alguém que jamais esqueceria.
— Senhor, perdoe-me, mas vai precisar disso.
A mulher estendia um broche para ele. Um anel metálico com uma espécie de pino para prendê-lo a roupa. A marca sagrada de Wynna.
— Não tem necessidade. Não creio nessas… coisas, e nem sei por que me dei ao trabalho de vir aqui.
A elfa franziu o cenho e seus olhos se ascenderam em um azul celeste, inspecionando auras mágicas no local. Ela abriu um sorriso e se aproximou, prendendo o broche na lapela do Osteon. Quando terminou de ajeitar, o anel brilhava em dourado.
— Se não é um devoto, por que o símbolo de nossa graciosa deusa o reconhece como um?
De repente, Gaster sentia um poder mágico diferente percorrer seus ossos — e não era arcano, tinha certeza. O calor era quase febril e podia senti-lo, o que por si só, já era estranho o bastante. Palavras mágicas cruzaram sua mente como se fosse um milagre, apesar de não existirem, obviamente. Contudo, agora sabia como curar os enfermos e estancar sangramentos usando magia, mas por alguma razão esqueceu como invocar uma escuridão sobrenatural.
— Ah, então esse é o preço? — disse em voz alta sem perceber.
A acólita estranhou, mas o médico se desculpou pela fala desorientada e se retirou do local, voltando para a taverna da gnoma.
Estaria sorrindo, se pudesse.
******************************************
MAGICKA
— Ei, Wynna, por que você abençoou o ossudo? Ele nem gosta de você! — uma elfa perguntava deitada em um luxuoso sofá enquanto assistia aos acontecimentos de Arton numa espécie de vidro gigante.
— Por que vai ser engraçado, hora bolas!