Ego e Guerra

Diogo Stone
5 min readMay 6, 2021

A dahllan se mexia a cada segundo. Não era por vestir uma armadura completa de aço-rubi que ela estava inquieta, o equipamento era praticamente sua segunda pele. Mas estar naquela sala, aguardando por tanto tempo, era entediante e monótono. Talvez estivesse passando tempo demais com Theikos, e ficar parada a deixava ansiosa, como acontecia com o paladino. Tudo que tinha para fazer ali, era olhar o escriba que tomava notas regularmente e encarar um enorme quadro de Sckhar seminu.

As portas da sala do trono se abriram com um barulho enorme, assustando o homem que escrevia e colocando a cavaleira de pé, brandindo seu escudo. Uma mulher de cabelos rosados — impecavelmente arrumados sob uma coroa de conchas azuis — saía de lá. Parou alguns instantes e trocou um longo e silencioso olhar com a clériga.

— Ele é todo seu, senhorita — a mulher disse enquanto se dirigia a porta que levava para fora do castelo.

O escriba suspirou aliviado. Viveria, pelo menos por hoje. Voltou-se para a dahllan que guardava o pesado escudo com o símbolo de Arsenal estampado e disse:

— Senhorita Thalyandra, entre, por favor.

Não era preciso reunir coragem, pois isso nunca faltava para uma devota do deus da guerra. Contudo, precisava reunir as palavras certas para dizer, o que era muito pior. Odiava Sckhar e a forma como ele tratava a ela e a seus amigos da guilda. Não estava ali para brigar, apesar de querer brigar. Mas parte da vitória é conhecer até onde pode-se ir antes de quebrar — e esse não era um limite que ela conhecia ainda.

Ainda.

Entrou na sala do trono com passos pesados e ruidosos. A sala era forrada de ouro e joias, uns mais espalhafatosos que os outros. Thalyandra revirou os olhos com toda aquela demonstração de riqueza. Não acreditava que dinheiro era poder. Poder é poder, e se você tem, vence. Isso é o que importava.

Antes de falar qualquer coisa, achou estranho o estado de Sckhar. Ele estava na forma de um elfo belo e de cabelos lisos e vermelhos como sangue, mas arfava e estava com os olhos arregalados, acuado em seu trono. Thaly sorriu.

O sorriso da dahllan, contudo, despertou o deus dos dragões vermelhos de seu transe. Ele se colocou de pé, irritado e com a cara franzida para ela.

— Quem deixou essa maldita árvore entrar?! Chega de vocês por hoje! Saia daqui!

Thalyandra respirou fundo e respondeu com firmeza:

— Não.

Sckhar virou a cabeça de lado e estreitou os olhos. Estava sendo desobedecido pela segunda vez naquele dia, mas resolveu controlar sua fúria. Ela precisava estar muito desesperada para ir atrás dele. E de desespero, o dragão gostava.

— São as perguntas que movem o mundo, não é mesmo? A que devo a honra da presença de uma ilustre sacerdotisa da guerra? — o tom de deboche em sua voz élfica e melodiosa era tangível.

— Eu vim trazer um aviso.

Sckhar riu. Thalyandra já esperava por isso. Detestava ser diplomática, afinal, sua especialidade era esmagar crânios, não falar. Pitre era melhor para essas coisas; ou Kiara.

— Não sabia que garotas de recado vinham em lata agora.

Era a gota d’água. A dahllan sacou seu martelo, Triunfo, e o núcleo que o inundava de energias arcanas brilhou. Ela o brandiu com agilidade e golpeou a perna do elfo, que foi pego de surpresa e foi atirado mais uma vez contra seu trono. A segunda vez naquele dia. Seus olhos inflamaram no mesmo instante.

— Ficou louca? — Bradou com a voz gutural, as feições mudando.

— Cala a porra da sua boca e me escuta. Eu só vim até aqui nessa sua toca fedida por que meu patrono tinha um recado para você — ela sorriu. — E ele disse que precisava ser eu, por que você negaria e precisaria apanhar pra aprender. E repito: é um aviso, não um pedido.

Ele se levantou como um relâmpago e a golpeou com suas garras. Thaly estava pronta e bloqueou com seu escudo, mas sentiu sangue escorrendo de seu braço. Mesmo se protegendo, havia sido atingida de alguma forma.

— Ótimo — o dragão esbravejava com um sorriso afiado. — Então me conte o que é antes que eu te mate!

Um segundo golpe de garra veio na direção dela, mas dessa vez ela o evitou saltando para o lado. Aproveitou o momento e o golpeou com seu martelo bem no centro do peito, arrancando o ar dos pulmões dele e dando uma brecha para que ela falasse.

— Vai haver uma guerra — disse assumindo uma posição defensiva. — Sckharshantallas participará.

O dragão soprou um mar de chamas que preencheu todo o salão. As chamas incendiaram as tapeçarias, derreteram o ouro e estilhaçaram algumas joias. Thalyandra baixou o escudo lentamente, incólume. Encarava Skchar com a maior concentração que já colocara em um combate e seguiu dizendo:

— O Kishin entrará em ação mais uma vez e vamos precisar do poder daqui. e de suas terras. De todo poder que conseguir reunir.

O dragão fingiu atacá-la com um chute e — num estalar de dedos — sumiu e reapareceu às costas de Thalyandra, mordendo um de seus braços com a bocarra que havia se formado em sua face. A clériga rilhou os dentes e o afastou com uma nova martelada no peito. Viu seu sangue escorrer pelos dentes e rosto dele.

Sckhar se lembrou da conversa que tivera a pouco com a outra dahllan, a de cabelos rosados. Suas feições começaram a perder a brutalidade e voltavam a serem harmoniosas e finas. Estava interessado. O sorriso sanguinolento permaneceu e Thalyandra seguia na defensiva.

— Onde será essa guerra.

— Nivenciuéen.

O dragão a encarou em silêncio por um longo momento. Analisava, além dela própria, quais as táticas possíveis de se usar naquele inferno tomado pela tormenta. Balançou a cabeça desapontado e passou caminhando por Thaly, que mantinha o escudo entre os dois. Ele riu e se sentou em seu trono.

— Eu não posso arriscar tudo em um plano maluco contra a tempestade rubra, ainda mais em um lugar tão distante. Vocês estão doidos.

— Arsenal não iria apostar em algo onde não há chance de vitória.

— E ele já falou o que isso vai custar?

Thalyandra desviou, por um instante, o olhar para o núcleo que ardia no interior do Triunfo. Lembrou por um breve momento do preço que a vitória teve naquele dia, no templo de Arsenal. Lembrou da insanidade no olhar do amigo que teve que derrotar. Foi um preço caro, mais caro do que gostaria de ter pago.

As maiores vitórias tinham os maiores custos, mas também tinha os louros mais dourados.

— Não importa — respondeu.

— Boa garota — Skchar respondeu com um sorriso malicioso. — Avise pra lata de sardinha que eu irei ajudar, mas só por que você veio pedir com jeitinho — disse limpando o sangue dela que escorria pelo canto da boca.

A clériga guardou sua arma e se virou para sair. Sem mesuras, sem despedidas. Conhecia muito bem a etiqueta básica da nobreza, só não queria usá-la para saudar Skchar. Quando ele ergueu a voz para falar, no entanto, ela parou para ouvir.

— Até breve, sumo-sacerdotisa de Arsenal. Da próxima vez, não pegue leve.

Ela não respondeu e nem se virou para encará-lo. Mas sabia que ele estava sorrindo, mas não mais do que ela.

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Written by Diogo Stone

Diogo é programadore, escritore, game designer e hater de impressoras. Uma pessoa entusiasmada que escreve contos de fantasia aqui e regras de RPG na Naiá Jogos

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