“Fracasso

Diogo Stone
6 min readSep 26, 2021

e fracasso.

Isso era tudo que passava pela cabeça da pessoa shurimane largada sobre o próprio peso, enterrando-se na cadeira de encosto alto. Pendeu o corpo pra frente e deixou sua fronte atingir a mesa ruidosamente. Havia fracassado de novo, logo quando tinha tanta certeza de que aquilo iria dar certo. Respirou fundo, desgrudou a cabeça do pergaminho a sua frente e encarou o universo colorido e tortuoso que dançava no exterior da torre — desenhando padrões esquisitos em sua pele oliva.

Estava com seu cabelo sedosamente cuidado e minunciosamente raspado de um dos lados. O lábio carnudo era adornado por uma argola dourada e uma de suas orelhas tinha tantos penduricalhos dourados que era difícil não notar. Já a sala, essa estava uma bagunça. Havia chegado a pouco e já tinha revirado tudo enquanto procurava suas anotações — verificando qual tinha sido o resultado de seu último experimento. Sobre a mesa, estava largado um rolo de pergaminho exageradamente grande. Se ele fosse completamente esticado, certamente teria quilômetros de comprimento.

Eu sou horrível” — pensava — “eu me tornei…

— Insensível — uma voz aguda e alegre, vinda de um camaleão sobre a mesa, lia a parte final do relato inscrito no pergaminho. — Incongruente, irritadiça, inviável, instintiva, incógnita, inóspita, imparcial, imoral. Imortal? Caraca, Khalid, o que foi que você aprontou dessa vez?

— Nada demais, Lica. O de sempre, acho — seu sotaque espremia o erre contra os dentes. — Ainda não li todo o relatório, só o final; e descobri que falhei. De novo.

Saltando sobre a figura sentada na cadeira, o pequeno réptil cresceu e — num piscar de olhos — , assumiu uma forma humana. Algumas escamas multicoloridas salpicavam sua pele bronzeada e seu rosto era adornado por olhos de cores díspares que, assim como o cabelo cacheado, mudavam de cor constantemente. Caindo sentada no colo de Khalid, logo ela continuava dizendo:

— Hey, hey, hey! Nada disso, pera lá. Você é ume estudiose! Cadê a postura de cientista? Isso é só um estudo de caso! Foco, concentração e vamos pro próximo. Conhecimento e saliência!

Khalid precisou conter um risinho para poder responder.

— É conhecimento e coerência, Lica. Mas creio que tentar descobrir a verdadeira essência do que é o amor, acabe confundindo um pouco a sua cabeça. — Após um breve momento olhando a amiga de muito perto, a qual encarava-lhe com a boca entreaberta e olhar curioso, pigarreou concluindo. — Pode sair de cima de mim?

Como se desperta de um transe, Lica se levanta. Coçando a cabeça e largando uma ou outra desculpa, atropelando as palavras enquanto falava.

— Espera — ela se interrompeu. — Você deve estar exauste! Eu vou buscar um chá.

— Lica, eu acabei de ser regredide, eu não…

Mas antes que pudesse terminar, a vastaya já saltitava para fora da sala. Deu de ombros. Ela sempre buscava chá quando ficava sem graça.

Acho que posso começar a ler os relatos”, pensou. Agarrou o pergaminho, proferiu algumas poucas palavras mágicas e, rapidamente, o rolo pareceu ganhar vida e começar a enrolar-se; parando em algum ponto entre seu início e fim. Khalid começara a ler as palavras, mas logo seu sorriso curioso deu lugar a uma expressão soturna.

Segunda semana do terceiro de 350.

Unilax, Noxus, fronteira com Valoran.

A comitiva demaciana havia chegado a pouco na cidade. Os assessores do regente local haviam preparado tudo para que os soldados e nobres se sentissem em casa. A cidade, que ficava no afluente entre dois rios que se juntavam e corriam até O Bastião Imortal, era um local movimentado e diversificado.

— Se há uma coisa melhor que o cheiro daqui, certamente é a comida — Khalid dizia saindo da carruagem. — Eu vou checar se está tudo conforme os seus gostos, monsenhor.

— Obrigado, meu filho. Você é um bom rapaz.

Assentindo com um sorriso, o shurimane deixou a comitiva e se dirigiu até os não tão ricos salões do governante local. Apesar de uma ou outra tapeçaria mais luxuosa, e vários quadros retratando vitórias de batalhas noxianas, aquele lugar se parecia muito mais com um posto militar avançado.

— Que surpresa agradável — um homem alto, forte, trajando uma armadura negra e sem pelos adornando a face, cumprimentou o recém-chegado.

— Bom dia nessa agradável manhã. Eu me chamo Khalid e é uma imensa honra ser porta-voz de tão renomada e aclamada comitiva de Demacia, legionário Valius, comandante de Unilax. Falo em nome do monsenhor William Petros, arauto da palavra demaciana. Normalmente, o monsenhor prefere seda em seu assento, mas creio que o que temos aqui sirva melhor para um assentamento militar. De qualquer forma, ele é um homem compassivo e ficará muito contente de poder negociar termos com Noxus.

O noxiano teria cuspido quando Khalid disse “compassivo”, mas seus dois neurônios concluíram que seria deselegante. Não que ele parecesse se importar.

— Tá, tá, tá. Excelente, Khalid. Agora vai e manda ele entrar de uma vez para nós acabarmos logo com isso.

“Nós. Você nem vai fazer nada, seu inútil”, pensou.

— Mas é claro. Com sua licença, legionário Valius.

Com uma mensura exagerada, Khalid se retirou do local; retornando em seguida com a comitiva demaciana. Como era de costume, antes de tratar dos assuntos referentes a terras e guerra, os presentes aproveitaram para se fartar da boa comida oferecida.

“Que desperdício”, Khalid pensava.

Em dado momento do banquete, as negociações tiveram início.

— Demacia pretende pôr fim a essa guerra tola e sem sentido — era William. — Não há por que expandir tanto um território se não conseguiremos manter a integridade e segurança de nossos cidadãos. Acredito que Noxus deve sentir o mesmo. São muitas bocas para alimentar, muitas terras para arar e pouca mão de obra. Demacia propõe que Noxus…

— Esmague vocês como os ratos que são — era Khalid.

Silêncio.

— Nós agradecemos a sua marcha até aqui, claro. Sem ela, eu não poderia ter mapeado tantos lugares do território demaciano, de Valoran e além. — Os olhos do shurimane se tornavam completamente vermelhos enquanto falava. — Mas acredito que sua utilidade tenha, para a minha felicidade, chegado ao fim.

Com os braços erguidos e algumas poucas palavras, Khalid fizera com que os demacianos sangrassem, se contorcessem de dor e definhassem. Muitas foram as súplicas por piedade ou compaixão, mas nenhuma fora atendida. Com todos mortos, o shurimane pegou um cálice a sua frente e serviu-se de vinho; bebendo com naturalidade.

— Você é frio — era Valius.

— E você é inútil.

Levantando os olhos do pergaminho, Khalid viu uma Lica congelada à porta; encarando-lhe de olhos arregalados e boca entreaberta.

— Você estava acompanhando a leitura na minha cabeça, né?

Ela assentiu, elu suspirou.

— Quem diria, não é mesmo? Parece que eu sou, de fato, um traidor. Ontem, eu traí Ionia; hoje, eu traí os demacianos. Quem será que trairei amanhã? Será que vou trair vocês, minha família? Acho que você estava certa complementando meus pensamentos antes, eu sou insensível mesmo. Um fracasso atrás do outro.

Balançando a cabeça, a vastaya entra a passos pesados na sala. Sua voz, mesmo irritada, era doce demais para não pintar um fino sorriso nos lábios de Khalid.

— Nana-nina-não! Você tem um objetivo claro e altruísta e… faz viagens lá pra fora! Não quer dizer que aquilo que você é lá é o mesmo que você é de verdade. O tempo muda as pessoas, e isso não acontece com a gente! E pode parar de pensar nesse “sempre que eu saio eu traio alguém”, o tempo é uma variável safadinha!

Com a cara emburrada, ela empurrava para elu um chá esquisito e púrpura.

— E tem mais! Eu conheço você a muito muito muito muito muito tempo. Eu já teria percebido se você fosse nos trair.

— Saberia mesmo? Eu poderia estar tramando um plano agora mesmo — disse bebendo o chá estranho.

— Eu leio mentes, Khalid. O tempo todo e em todos os tempos. E você está pensando “Isso tem um gosto meio… roxo?”.

Após um breve momento de silêncio, os dois riram.

— Deixe seu relatório para depois, ele está ocupando muito espaço nessa sua cachola. O sol já vai se pôr e ouvi dizer que ele é muuuuuuuuuuito bonito nessa época. Vem, vem!

“Época, tsc”.

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Written by Diogo Stone

Diogo é programadore, escritore, game designer e hater de impressoras. Uma pessoa entusiasmada que escreve contos de fantasia aqui e regras de RPG na Naiá Jogos

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