Liberdade e Vitória
A jovem de cabelos loiros corria e saltava por cima dos móveis da casa, sendo perseguida de perto. A cada momento, a distância que a separava de seu inimigo se encurtava. Quase derrubou um vaso quando saltou do sofá para a mesa e se virou para encará-lo.
— Desista! Eu jamais serei derrotada! — ela brandia sua maça à frente do corpo.
Seu oponente escalava o sofá devagar, a olhando com seriedade. Quando finalmente alcançou o topo, um de seus braços escorregou e caiu de cara no sofá. Ouviu-se um grito alto, como se algo o tivesse ferido seriamente.
— Pelos deuses! Will, você está bem? — a garota largou sua arma de brinquedo e se aproximou do menino que começava a soluçar.
— Não gosto dessa brincadeira — sua voz saiu esquisita, sua língua sangrava um pouco.
Passos pesados se aproximavam da sala.
— Está tudo bem? — a voz do paladino soava imponente, mas preocupada.
— A gente só tava brincando de aventureiro, pai. Mas o Will caiu e mordeu a língua, né. Aí a gente ia chamar alguém, mas aí ele começou a chorar e daí… — a voz da menina foi morrendo quando viu o guerreiro santo se aproximar do garoto e, com um carinho em seu rosto, parar o sangramento com um brilho divino.
— Obrigado tio — o garoto disse antes de sair correndo e mostrando a língua para menina.
Theikos sorria e balançava a cabeça. Sua filha se parecia tanto com sua amada que até se perdia nas próprias palavras.
— “Eu sempre venço” — comentou sorrindo e fazendo uma vozinha para sua filha enquanto erguia o punho. — É assim que sua mãe fala. Derrota é uma palavra que ela desconhece.
O homem se espreguiçou e sentou no sofá, a garota o imitou se atirando sobre uma poltrona. Balançava os pés que não alcançavam o chão.
— A casa do tio William é grande, né?
— Da tia Kiara, ele não teria esse bom gosto — riram.
Era confortável poder dormir em locais luxuosos as vezes. Estar sempre em movimento, visitando lugares novos, cidades distantes e os ermos era tudo que ele sempre quis em sua vida — mas não negaria uma cama confortável.
Fazia quatro dias que estavam ali, mas as pernas de Theikos já balançavam de ansiedade para pôr o pé na estrada e desbravar algum canto de Arton. Afinal, um paladino de Valkaria nunca parava. Mas havia prometido esperar; e o faria.
— Pra onde a mãe foi? — a garota perguntou despreocupada, afundada em seu assento.
— Vencer — começou — , só não sei bem o que. É algo sobre a igreja de Arsenal, deve envolver meter porrada uns nos outros até sobrar só um de pé — dizia sorrindo para a garota.
Thalyandra havia saído para atender a um chamado do culto ao deus da guerra. Pelo que os bardos contavam, todos os devotos, clérigos e paladinos haviam sido chamados. Theikos não tinha dúvida que deveria ser algo referente a escolha de um sumo-sacerdote. Mas preocupava-o quais golpes baixos alguns seguidores poderiam adotar, afinal, pregavam a vitória a todo custo.
Por sorte, o local onde se reuniam não era longe de Dubai-Ptra, o que era estranho, mas cômodo. Ficaram ali sentados em silêncio por um tempo, até a garota inquieta voltar a questionar.
— Pai, cê é devoto de Valkaria, né? A igreja dela não tem umas regras assim que nem a da mãe? Eu acho que nunca perguntei — havia pesquisado a resposta mais cedo, mas queria ouvir mesmo assim.
Theikos respirou fundo. Sabia as crenças, objetivos e obrigações todas de cor. Lutou toda sua vida para segui-las e, quando a barram, usou-as de pilar para atingir seus objetivos. Começou a falar encarando a distância, com a mão cruzada sobre o peito.
— Ser otimista, evoluir, rebelar-se. Não aceitar limites, mal, opressão ou tirania. Aceitar o novo e adaptar-se; sempre com coragem, ambição e paixão. Não se prender a locais, ser livre e amar e desfrutar da vida.
A garota franziu o cenho, havia lido na biblioteca mais cedo sobre o credo e parecia faltar algo no discurso.
— Mas não tem algo sobre uniões estáveis… — sua voz foi morrendo enquanto se dava conta. — Pera aí, como, o que? Mas, assim, e a mamãe, você, e eu, é… — suspirou. — Não tô entendendo nada.
O homem riu.
— Isso aí é só para quem não se rebelou o suficiente! — bateu o punho contra a mão aberta. — Um bom paladino de Valkaria sabe que aceitar todas as regras do clero é falhar como devoto. — sorria de orelha a orelha. — Agora vamos, deve estar na hora de comer. Depois seu tio pode te contar como foi nossa viagem até Odisseia.
Os olhos da menina brilharam. Havia lido sobre outros planos onde os deuses repousavam.
— Vocês foram até lá?! — estava surpresa, nunca tinham dito isso a ela. — Vocês falaram com Valkaria?!
— Falar com Valkaria, não. Como sua mãe diria: “Vencemos Valkaria”.