Magnus Opus
O homem atiçava a fogueira com um graveto. Em breve sua amada estaria de volta com a caça e queria que tudo já estivesse pronto. Viver nos ermos vinha sendo difícil, não pela dureza da floresta, claro. Ambos tinham disciplina militar para isso, como era de se esperar de yudenianos. Mas estar a tanto tempo afastado das cidades e das pessoas era terrível.
Encarou seu braço mais uma vez e torceu o nariz como fizera todas as outras vezes. A tatuagem da supremacia purista o enojava, mas precisou aceitá-la para ter a chance de estarem ali; para se manterem vivos. Ouviu um farfalhar próximo e ergueu a cabeça sorrindo, mas logo sua expressão se tornou uma sombra de horror e medo.
— Cassandra! — chamou correndo em direção a mulher que sangrava. — O que aconteceu? Deuses quem a machucou?!
— Bandidos filhos da puta! — cuspiu sangue e deixou-se cair nos braços de seu amado. — Achei uma torre velha não longe daqui. Uns bastardos estavam lá, me viram e atiraram. Não me perseguiram, pra sorte dele.
O homem balançava a cabeça e olhava preocupado para os ferimentos, contou pelo menos seis perfurações. Levou a mulher para dentro e começou a fazer alguns curativos, mas algumas feridas eram muito profundas. Resolveu tentar orar mais uma vez a Valkaria e Keen.
— Pai da guerra, mãe da nossa nação. Escutem a súplica de seu filho, eu preciso manter uma guerreira de pé para lutar outro dia.
Pôs as mãos sobre as feridas. Nada. Desde que haviam desertado do exército purista, seus deuses o haviam abandonado. Praguejou mais uma vez e fez o melhor que pode, atando os ferimentos e aplicando remédios naturais que conhecia. Contudo, tinha certeza que não seria o suficiente.
Trabalhou por um bom tempo, mas a febre de Cassandra aumentava e já não sabia mais o que fazer para reduzi-la. Os braços dela tremiam, mas mesmo assim se esforçou e tomou a mão do homem com a sua, o despertando de um sono atento ao lado da cama.
— Magnus — sua voz era um suspiro — , meu querido artista. Me alegre mais uma vez com as imagens de suas histórias, por favor.
As lágrimas corriam fartas em seu rosto, entretanto, se concentrou e formou imagens tremeluzentes de pequenas pessoas em uma taverna. A ilusão representava o momento em que se conheceram. Ele estava sentado à mesa e discutia com um outro homem. Em dado momento, a figura mais jovem de Cassandra interferiu na discussão e bateu nos dois homens. A versão febril da mulher sorriu e tossiu baixinho.
— Por favor, há tanto para vivermos… — mas não conseguiu continuar.
— O importante é que vivemos e amamos — suspirou mais uma vez — e que fugimos desses filhos da puta desses puristas — sorriu franzindo o rosto pela dor. — Eu te amo Magnus, lembre-se disso… lembre-se…
De repente, a mão que segurava a do yudeniano ficou mole. Não conseguiu raciocinar por algum tempo, apenas apoiava a cabeça nas mãos enquanto seus cabelos negros ocultavam sua face no interior da pequena cabana que construíram. Chorava e praguejava. Até suas ofensas pareciam pequenas quando lembrava das de Cassandra. Sentiria falta de tudo nela.
Respirou fundo, levantou-se e disse para si mesmo.
— Torre é? Vamos visitar estes tais bandidos.
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Tenebra se erguia imponente no céu. Magnus, completamente coberto de sangue, carregava o corpo sem vida de sua esposa. O rosto penoso e sofrido dele havia cedido espaço para um endurecido e disciplinado. Era um soldado uma última vez. Chutou a porta inferior da torre pela segunda vez naquela noite e deitou sua mulher sobre uma grande mesa. Olhou para trás e viu um dos bandidos que matara mais cedo jogado contra a parede. Ainda estava com a adaga enterrada em seu olho. Tirou a lâmina, limpou-a na roupa do sujeito e o arrastou para fora.
Subiu pelo alçapão que levava até o primeiro andar e repetiu o processo com cada um dos outros quatro mortos que havia deixado no local. Um aterrorizado até a morte, um queimado e outros dois decapitados. Amontoou todos inexpressivo, jogou algum composto alquímico por cima e ateou fogo. Não mereciam mais que isso.
Passou o resto da noite cavando uma cova no andar inferior da torre. Havia um bom espaço e queria que sua amada tivesse o repouso merecido. A terra que havia sido regada com o sangue de seus assassinos parecia ótima para isso. Ela gostaria disso, pensou. Quando terminou o funeral solitário e sua prece aos deuses que o haviam abandonado, Azgher já brilhava alto no céu. Deixou o colar com o símbolo sagrado de Valkaria pendurado na lápide improvisada que havia feito e saiu pela porta.
O clarão do sol tomou conta de toda sua visão e, com um estrondo, Magnus acorda batendo a cabeça contra a mesa da taverna. Piscou várias vezes e esfregou os olhos. Sentia uma dor de cabeça terrível.
— Cê fica fazendo arte até tarde dá nisso, dorme no bar — o Hynne sorridente comentou servindo-o um Gorad quente.
Artista. Balançou a cabeça e sorriu.