Diogo Stone
5 min readMay 4, 2023

O Amigo Oculto

Todos estavam reunidos ao redor da mesa. Era um dos raros momentos de paz que o grupo podia desfrutar. Após aproveitarem a boa comida e jogar alguma conversa fora, a elfa ajeitou os cabelos lilases atrás das orelhas pontudas antes de dizer:

— Então, alguém quer começar? Mas façam suspense, por favor!

— Po, eu posso começar — o hynne comentou se colocando de pé. — É, o meu amigo, é uma pessoa muito, muito boa...

— Sou eu! — a voz torta do goblin saiu seguida de uma risada maléfica.

— Nossa, Lauss, você nem tentou... — era Celene.

Sho ria.

— Po, foi mal. Soava melhor na minha cabeça… Enfim, Sinistro, aqui, eu te fiz uma pulseira. Eu sei que não é muita coisa, mas, é algo bem simbólico pra nós aqui de Khubar. As contas e conchas nela, que formam os laços, são como os elos que nos unem independente do sangue. É tipo um símbolo de irmandade, saca?

Daeniel e Celene se entreolharam, os rostos denotando surpresa. Pra quem se embolava quando falava, o pequenino tinha trazido algo significativo.

— Um presente feito em casa, que maldade — antes que pudessem protestar, o goblin continuou. — Só por isso eu vou usá-la aqui no meu pulso, bem visível. Para que todos possam ver, e se perguntarem de onde veio, vou dizer que foi você quem fez especialmente pra mim.

Sinistro riu de maneira descompassada, tal qual Sho continuava rindo. Os outros apenas sorriam e balançavam a cabeça. Ele pensava de um jeito esquisito e, às vezes, esqueciam disso.

— Mas agora é minha vez e, meu amigo oculto, é uma pessoa com muita paciência. Ela nunca tem um plano e sempre pensa bastante antes de agir.

— É a Sho — era Daeniel.

— Como assim? — a tamuraniana parou de rir. — Eu sempre penso muito antes de agir, tá certo? Eu penso em pelo menos três formas de atacar o inimigo.

Agora era a vez de Daeniel e Celene rirem. A loira olhava a amiga ir receber o presente de Sinistro com um sorriso estampado no rosto. As farpas faziam parte do jeito que eles demonstravam carinho, algo que ela era grata em ter. Pregar a palavra de Aharadak normalmente lhe rendia problemas, agressões verbais e, por vezes, físicas. Mas ali era seguro. Era como se fossem um só.

— Seu presente é uma maldade muito grande — o goblin ria —, pois quando acabar essa bebida, você terá outra e vai poder continuar bebendo até cair. Essa é minha maldade.

— Isso é... cachaça duyshidakk?! Sinistro, como eu te amo!

Sho abraçou o amigo, que a afastou reclamando ser maligno demais para demonstrações de afeto.

— A minha amiga — a mulher parou dando um gole na bebida de seu copo antes de continuar —, é uma pessoa de bom coração. Quando conheci, confesso que achei que teria de matá-la, mas ela se mostrou a pessoa mais corajosa e amigável com quem já viajei. Você deixaria outros da sua profissão no chinelo, e me envergonha não poder dar um presente à altura. Só espero que nossas andanças não nos levem para caminhos distantes, pelo menos não pra sempre.

Todos se entreolhavam, sem saber a quem apontar como possível amigo oculto.
— Ai, caralho. Era pra falar o contrário, né? Puts, foi mal Celene.

A clériga permaneceu estática encarando a outra. Eram palavras que ela não esperava ouvir na vida,
muito menos de alguém por quem ela pensava coisas parecidas.

Precisou de um empurrãozinho de
Daeniel para que ela se levantasse e fosse receber o presente.
— Eu ia te dar uma katana, mas eu lembrei que não tenho dinheiro pra isso aqui. Aí eu pensei em te dar uma faca, mas eu lembrei que você é boa demais pra isso. Aí eu fiquei sem ideias e fiz isso, desculpa.

De dentro do kimono, Sho pegou uma folha de papiro e entregou a Celene. A cara de choque que ela
ainda sustentava, aos poucos, foi assumindo uma expressão de felicidade plena e uma ou outra
lágrimas insistiram em correr livres pela sua face.

Exibindo para os demais presentes, na folha, podia se
ver um desenho com traços clássicos de Tamu-Ra, onde uma Celene trajando uma armadura insetoide aparecia de mãos dadas a uma massa disforme de rabiscos com um grande olho no centro. Havia um coração pintado entre as duas figuras com os dizeres “Pela glória de Aharadak”.

A loira abraçou a outra, que devolveu o gesto, bebericando do seu copo durante o ato. Talvez fosse a
hora de abrir a garrafa recém recebida.
— Meu amigo — Celene começou a dizer, secando o rosto e tentando controlar a voz — é alguém que
odeia ler e... desculpa Daeniel. Eu me emocionei e esqueci o que ia dizer.

— Tudo bem — a elfa se levantou e deu um abraço apertado na amiga. — Já quebraram o protocolo
mesmo.
— Eu sei que você gosta dessas coisas místicas e de necromancia e esqueletinhos, então eu arrumei
esse jogo de búzios feitos de ossos.

O sorriso de Daeniel se esticou ainda mais. Achou melhor não perguntar do que eram os ossos, e talvez não quisesse saber a resposta. Era um trabalho fino e Celene deve ter tido que procurar muito para achar o artesão que produziu aquelas peças. A loira abraçou novamente a elfa e se sentou.
No entanto, algo incomodava Daeniel, mas prosseguiu com a brincadeira.

— O meu amigo oculto, está sempre bem escondido. Está sempre sob muito estresse e dificlmente
arruma tempo para ficar tranquilo.

— Pera, eu to confuso — era Sinistro. — A gente ainda tá falando o contrário ou não? Por que se for o contrário é o Lauss, se for verdade é o Osbion.

Daniel lançou um sorriso amarelo.
— É o Lauss e, aqui — ela puxou de sua pequena bolsa um colar enquanto o hynne se aproximava. — Esse pequeno frasco tem um pouquinho de areia da praia, conchas e água do mar. Dessa forma, não importa pra onde você vá, você carregará Oceano perto do peito.
— Po, você que fez isso?
A elfa assentiu.
— Caraca mané, que maneiro. Po, brigadão, Daeniel. Sei nem o que dizer.
— Sua cara diz tudo — comentou dando um abraço no pequenino. — Mas, isso me intriga. Osbion, isso
quer dizer que você tirou a si mesmo e não contou pra ninguém

Como se as sombras se desprendessem da parede, o elfo deu um passo em direção da luz. O rosto parcialmente oculto pelo cachecol. Mesmo sem conseguirem ver sua boca, sabiam que ele sorria.

— E vocês não desconfiaram de nada.
Todos reviraram os olhos, exceto a elfa, que se mantinha estoica. Irritada.

— É sério isso?

Osbion deu de ombros.

— Nem eu seria capaz de tamanha maldade.

— Po, Sinistro, deixa ele. Ele é legal demais pra brincadeiras — Lauss disse com evidente ironia.

O elfo assentiu positivamente antes de dizer:

— Eu já vou indo, tenho assuntos a resolver.

Daeniel protestou, Celene e Sho disseram que era melhor que ele fosse mesmo, antes que resolvessem bater nele. Não demorou até que o clima voltasse a ser festivo, e a cachaça duyshidakk pareceu ser o suficiente para a clériga e a tamuraniana passarem a noite cantando enquanto Sinistro dançava em cima da mesa.

A elfa agradeceu em silêncio a preferência dela e Lauss por água fresca, e ficaram rindo das músicas e conversando.

Longe dali, embrenhado na floresta, Osbion treinava arremesso de facas. Testando a adaga nova que havia presenteado a si mesmo.

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Written by Diogo Stone

Diogo é programadore, escritore, game designer e hater de impressoras. Uma pessoa entusiasmada que escreve contos de fantasia aqui e regras de RPG na Naiá Jogos

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