Pretérito Imperfeito

Diogo Stone
6 min readFeb 11, 2021

A batalha havia sido árdua. Os corpos dos minotauros estavam estirados pelo chão e as dezenas de probos encontravam-se destroçados, quebrados e jogados em ângulos esquisitos. Para todos os lados havia destruição, óleo, sangue e pedaços de corpos metálicos e orgânicos.

Enki caminhou devagar naquela cena, afastando-se de Prunna e o resto do grupo que pensava no que fazer com os inimigos que ainda estavam vivos. O cavaleiro tirou seu elmo e o vento frio e o cheiro de sangue molhado invadiu seus pulmões. Seu corpo estremeceu e ele cerrou os punhos.

A cena diante de seus olhos mudara. De repente, não estava mais nas uivantes, mas sim, na fronteira de Malpetrim. Fumaça se erguia das casas ao redor e uma figura de armadura brandindo um grande escudo de Valkaria lutava contra legionários do império de Tauron.

— Venha Enki, me ajude aqui com esses bois malditos!

Um jovem Enki, que já havia perdido seu elmo e nem tinha idade para ostentar seu grande bigode, se colocou ao lado do homem com a espada preparada. O legionário atacou com seu gládio, mas o cavaleiro protegeu o rapaz— com certa dificuldade devido ao seu ombro que parecia deslocado. A abertura foi pequena, mas o olhar treinado do meio-dragão viu a oportunidade e estocou o abdômen do minotauro, que cuspiu sangue e caiu de joelhos logo em seguida.

— Fedelho — cuspiu — , Mikazuki não perdoará essas ofensas. Malpetrim já era nossa, e por consequência, dele!

— Você traiu Tauron antes mesmo dele cair. Se entregou a um homem possuído pela loucura que cultuava uma demônia! Cale-se e morra.

O homem encarou Enki gesticulando com a cabeça positivamente. O jovem exitou.

— Patético —o minotauro desdenhou — , não consegue nem matar…

Enki apertou o punho da espada e então cortou a garganta do legionário. Um corte rápido e limpo. Sentiu um gosto amargo na boca, detestava fazer aquilo. Seu olhar vasculhou longe e viu um Legio Auxilia Magica, a unidade arcana de Tapista. Com braços aberrantes saindo das costas, gesticulava na direção onde estavam.

— Mario Jorge! — o grito de Enki veio tarde e foi consumido pelo som da explosão.

Chamas e matéria vermelha explodiram ao seu redor, pode ver a pele do homem derreter contra a armadura que aquecia enquanto tornava-se algo aberrante e grotesco. Ele próprio sentiu a pele queimar e o ardor na cabeça enquanto seu pouco cabelo era consumido pelo fogo alienígena.

O jovem caiu e, ao bater contra o chão, estava novamente em combate. Uma horda de duyshidakk perseguia um Enki mais velho agora. Corriam por salões de metal, pedra e madeira. Carregando o pesado escudo de Valkaria a frente, abria caminho entre as criaturas de tons verdes e cinzas. Às suas costas, uma voz sobressaia a um grito de dor e outro.

— Por aqui, venham, precisamos evitar os corredores mais cheios.

— Estou fazendo o possível, Kadaj, mas eles são muitos e seus amigos estão exaustos!

Haviam se infiltrado num forte goblinóide. A construção era caótica e as conexões das salas não pareciam fazer sentido para eles, mas seguiam em frente. Kadaj havia pedido ajuda para libertar o seu antigo esquadrão de cavaleiros do corvo, só não imaginavam que o grupo de elite estaria tão fortemente protegido.

— Parece que esses malditos sabiam que viríamos — Enki reclamava enquanto entravam por uma porta de um corredor que estranhamente dava para um pátio.

Vários duyshidakk os esperavam com urros e olhares maliciosos. Alguns artefatos esquisitos que pareciam versões gigantes de mosquetes estavam apontados para o grupo. Uma espécie de arma giratória presa a um pequeno palco também estava mirada para o grupo de cavaleiros. Um goblin cinza deu dois passos a frente e levantou sua mão metálica para que os outros ficassem quietos. O silêncio se fez presente.

— Você, o inteligente ali. Se você ficar, o resto vai embora — seu sotaque era esquisito.

— Isso explica muita coisa, Enki. Eles queriam a mim —Kadaj murmurou.

— E não cochicha com o esquisitão azul aí não, tá me ouvindo!

Kadaj gesticulou com a cabeça para Enki e começou a se afastar, mas antes de se aproximar do goblin murmurou “fujam”. A pequena criatura o recebeu com um sorriso maldoso enquanto andavam para trás das linhas de imensos hobgoblins armados.

Adentraram a uma sala em um local alto, apenas a silhueta dos dois podia ser vista pela janela. O pequeno andava de um lado para o outro, Kadaj apenas balançava a cabeça. Em um momento, aproximou-se veloz, ergueu o goblin e o atirou da janela.

— Fujam! — gritou enquanto ativava um aparato esquisito de metal.

Vários goblinoides subiam a escada e outros se desesperavam vendo o que ele acabara de acionar.

Enki e os outros cavaleiros do corvo correram como nunca, mas mesmo assim a explosão de energia pura chegou até eles. Podiam ouvir os gritos, o estrondo e sentir o calor. Viram os pedaços de pedra, metal e corpos serem arremessados pela força daquela bomba.

O cavaleiro com o escudo de Valkaria bateu a cabeça contra uma das paredes de metal e caiu desacordado, apenas para ser arremessado em outra memória. Enki, agora transformado em um grande dragão, enfrentava uma horda lefeu. Repelia o máximo que conseguia enquanto, às suas costas, um ser draconico muito maior lutava contra um homem imenso.

O meio-dragão soltou uma baforada fervente nos pequenos lefeu e voou na direção do combate entre os seres colossais. O homem, se ainda pudesse ser chamado assim, brandia seis katanas, uma em cada um de seus membros aberrantes retorcidos. Duas das lâminas enormes perfuraram o peito do dragão que enfrentava, apenas para ter o torso mordido por ele.

Uma luz forte brilhou da ferida do homem-lefeu que explodiu com força, arremessando o dragão colossal que encolhia na mesma velocidade que voava. O gigante também perdeu vários metros de altura enquanto sua carne grotesca voltava a crescer. Logo estaria inteiro novamente para continuar o combate.

Enki voo e conseguiu impedir que o dragão, agora na forma de um tritão, colidisse contra um rochedo cheio de olhos e tentáculos.

— Já chega pai! Precisamos de reforços. Nossos números estão caindo. Temos de recuar!

— Não seja tolo — Benthos estava furioso — , não haverá outra chance. Essa é nossa última. Ou vencemos, ou Arton será consumida. Os deuses podem não ter dado importância quando Aharadak ascendeu, mas esse foi o maior de todos seus erros.

Enki bufou.

— Podemos conseguir a ajuda deles ainda — tentou.

— Eles nos abandonaram. Essa realidade chegou ao seu fim e eles não se importam com isso, pois não os afeta. Nem mesmo Khalmyr, aquele hipócrita desgraçado.

O corpo de Benthos tornou a inchar e expandir. Com a voz gutural e o corpo cada vez maior enquanto atingia sua forma verdadeira, dizia.

— Eu já perdi sua mãe, já perdi meu domínio, já perdi até mesmo as esperanças. Eu prefiro perder a vida para te dar uma nova chance do que te perder também.

Urrando, o rei dos dragões marinhos se atirou na direção do homem-lefeu gigante que o aguardava com as armas em punho e o corpo regenerado.

— Enki! — uma voz soou na cabeça do meio-dragão, era Rosetta — Saia daí. Volte para Pondsmânia. Tenho um último plano, uma última investida. É uma chance pequena, mas é uma chance. Ande logo!

O meio-dragão virou-se para partir, viu o campo de batalha desolado e destruído. Amigos, companheiros, lefeu, probos. Todas as formas de vida e não vida possíveis estiradas e trucidadas. Um urro de dor chamou sua atenção. Virou-se e viu com horror o homem gigante decepar uma das asas de Benthos.

— Não! Mikazuki seu desgraçado, eu vou até aí te matar! Pelo meu pai e pela minha mãe!

A última palavra saiu, não só em sua memória, mas pela sua boca também.

— O que foi meu filho? Você está bem? — era Prunna.

Enki estava de volta ao gelo e o frio das uivantes. O cheiro de sangue ainda o nauseava um pouco. Sentou-se em uma pedra, tremendo.

— Só fica um pouco aqui comigo, mãe. É que eu lembrei de algumas coisas que não foram legais.

A dahlan sentou ao seu lado e o abraçou sem questionar. Ela estava ali por ele, assim como ele estava ali por todos, e era isso que importava.

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Written by Diogo Stone

Diogo é programadore, escritore, game designer e hater de impressoras. Uma pessoa entusiasmada que escreve contos de fantasia aqui e regras de RPG na Naiá Jogos

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