Promessas — Parte 1
O silêncio não durou muito. As reuniões ali eram sucintas, objetivas e rápidas. Como todas deveriam ser. A elfa lançou um olhar rápido para o companheiro que acenou para ela, encorajando-a a falar. Ele não era muito bom com palavras e enrolaria demais.
— Daremos um tempo nas incursões à Trebuck — Sedrywen disse firme.
— Irão desistir? — a mulher questionou altiva, com a voz acostumada a comandar, não perguntar.
— É claro que não — o tamuraniano interviu. — Nós só iremos dar um tempo.
Zanshin não teria mentido, mesmo se pudesse fazê-lo ali. O olhar austero que recebeu foi o suficiente para deixar que elas continuassem o diálogo.
— E o que descobriram nesses últimos cinco anos?
— As áreas de tormenta são voláteis além da compreensão — Sedrywen dizia — , contudo, notamos um padrão em relação a Gatzvalith. Arton deve ter influenciado ele a ponto de criar individualidade. Matamos o lorde duas vezes, mas não encontramos o coração.
— É uma pena — a mulher soava desapontada. Não com a dupla, mas com mais uma falha na retomada daquele reino. — Para onde irão?
— Ao berço da nação élfica. Vamos atrás de mais informações, mais respostas.
A elfa mal acabara de falar e a mulher assentiu e se levantou, indo em direção a porta que levava para fora da pequena sala de reuniões. Antes de sair, Zanshin chamou sua atenção dizendo:
— Nós iremos retornar. E quando o fizermos, iremos lhe devolver Trebuck, rainha Sharpblade.
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Respiravam com dificuldade. Corriam como raios pelas crostas amarronzadas como fizeram nos últimos anos. Bastava um olhar de relance e sabiam o que o outro pensava. Sedrywen disparou três flechas e quatro lefeu caíram, dando espaço para Zanshin sacar sua arma e dilacerar uma criatura enorme no céu. Uma espécie de caracol gigante que ataca os navios que singravam as estrelas até ali.
— Por que aquela coisa estava nos perseguindo aqui no chão? — o ar ácido misturou-se a saliva e precisou controlar-se para não vomitar.
— Kimazu, foi como chamaram aquilo, e eu não sei o motivo. É tudo muito mais estranho aqui, é muito pior do que Trebuck.
A elfa dizia mostrando a cena com o braço. Várias construções insanas feitas de carne e olhos replicavam as torres de Lenórien. Haviam também montanhas com enormes pústulas que inchavam e estouravam, jogando pus e sangue para todos os lados enquanto pequenos lefeu nasciam dessa desordem.
— É como se aqui fosse uma fábrica de horrores — Sedrywen completou.
— Talvez seja — ele disse puxando a elfa para perto de si. — Nivenciuén sofreu muito com a chegada da tormenta, mas precisamos descobrir se ainda há pessoas vivendo aqui. Alguém que saiba mais sobre toda essa abominação.
A elfa tocou os lábios do tamuraniano com os seus, mas logo se afastou. Não havia tempo, mas não resistiam ao toque aconchegante um do outro. Ela sorriu, mas logo arregalou os olhos e virou o homem para trás com rapidez. Instintivamente, as sombras de Kuraiga já queimavam ao redor de Zanshin.
Uma figura esquisita se aproximava do casal. Andava arrastando um de seus braços no chão — que era uma pinça enorme. Suas pernas eram articuladas como as de um grilo, e carregava uma espada retorcida e recoberta de matéria vermelha na outra mão. Suas feições eram élficas, mas o rosto era maculado por cascas quitinosas, três antenas e um dos olhos parecia como o de uma mosca.
— Não chegue mais perto — a voz do tamuraniano soava gutural misturada a do demônio das sombras.
Aquilo sorriu com uma boca maior do que tinha.
— Lutar… Proteger…— suas palavras beiravam a insanidade.
Num movimento rápido a coisa pulou sobre a dupla, balançando sua pinça enorme mais veloz do que parecia possível. Saltaram cada um para um lado diferente e, antes de seus pés tocarem o chão, Sedrywen já havia sacado o arco e disparado duas flechas que se prenderam a lateral do corpo da criatura. Não pareceu sentir.
Zanshin avançou com a espada em punho, bradou seu golpe infalível e decepou o braço monstruoso. Com a guarda aberta, acabou sendo atingido e atirado ao chão pela espada retorcida de seu inimigo. Um corte profundo ardia em seu peito enquanto rolava, aproveitando o empurrão para tomar distância da criatura. Sedrywen chamou a atenção para si com um grito e mais três flechas, elas não pareciam surtir efeito naquilo.
Recompondo-se, o tamuraniano se pôs de pé e sacou sua segunda espada. Aquele daria trabalho. A criatura saltou sobre a elfa que rolou para o lado evitando o corte, o impacto abrira uma cratera onde ela estava. A cada segundo que passava, mais e mais flechas prendiam-se ao corpo do lefeu, mas ele não parecia se importar. Zanshin se aproximava, mas antes de chegar na criatura, o braço decepado ergueu-se como uma cobra e deu um bote em suas pernas. Com o tornozelo sendo dilacerado, batia com as armas nas pinças que pareciam duras como rochas.
— Porcaria — a elfa dizia desviando dos golpes de espada, tentando percorrer um arco para alcançar o homem caído.
A visão periférica dela captou um movimento sutil, mas não desviou a atenção da batalha. Saltou sobre a espada da criatura após um golpe e aproveitou o empurrão para saltar sobre ela. A essa altura, o lefeu já parecia um porco-espinho. Correu até Zanshin com os olhos brilhando totalmente brancos e, com algumas palavras em élfico, envolveu o corpo do homem em uma silhueta azul tênue. A magia permitiria que ele se movesse livremente mesmo estando agarrado.
Zanshin sacudiu as lâminas curvadas ao lado do corpo enquanto relâmpagos verdes se formavam em suas mãos. Girou as armas com agilidade e trespassou ambas no braço-cobra, emitindo o ruído de um trovão. A criatura guinchou como não havia feito quando perdeu o braço e avançou sobre a dupla mais uma vez. Sedrywen levou a mão até a aljava para atrasar o monstro. Vazia. Zanshin saltou de pé, se colocando entre o avanço do lefeu e a elfa. Cruzou as espadas à frente do corpo para barrar seu avanço, mas não esperava por tamanha força. A mulher foi arremessada e o tamuraniano foi carregado pela espada retorcida atravessada em seu abdômen.
O impacto contra uma carapaça, ou uma pedra, espalhou o sangue do homem pela superfície pegajosa. A figura grotesca agarrou-o contra seu corpo aberrante e se voltou para a elfa que calculava como poderia tirar seu amado desacordado, ou morto, dali. A coisa arrastou um Zanshin mole por alguns metros enquanto sua língua amarelada serpenteava de antecipação. Apertou-o contra o próprio corpo com a espada rilhando em seu pescoço. Sedrywen notou um movimento novamente, mas não desviou o olhar da criatura. Sabia que naquele lugar as distrações poderiam matá-los.
— Fazia… tempo que não… brigava — a criatura tentava articular uma frase.
— O que é você? — a elfa quase não conseguiu dizer, a boca seca, a garganta ardia.
A coisa inspirou profundamente e riu.
— Espada de Glórienn… — fez uma pausa balançando a cabeça e batendo-a contra a lateral da espada retorcida. — Não, não. Idiota! Espada… de Igashera!
Começou a cortar o pescoço do tamuraniano quando uma flecha de luz surgiu de algum ponto atrás da elfa e atingiu Zanshin e a criatura no peito. O monstro se afastou guinchando e ardendo, mas o homem parecia intacto. Antes que ele caísse com a cara no solo, Sedrywen correu e o alcançou, abraçando-o. Suas mãos brilharam e o ferimento na cabeça se fechou. Respirava pesado e desacordado, mas vivo. Não precisaria esperar dias para que ele voltasse a vida.
Virou na direção de onde a seta surgiu e viu uma pessoa alta e esguia brandindo um arco sem corda. A figura gesticulou novamente como se tentasse disparar com a arma e energias mágicas formaram uma nova flecha. Disparou duas, quatro, oito vezes. Reconhecia a técnica, pois era igual a sua. A criatura ardeu, guinchou tropeçou e fugiu. A elfa de joelhos no chão suspirou aliviada. Mesmo que o clima ali fosse corrosivo e tenso, por hora não haviam mais ameaças.
Olhou um pouco melhor para quem os havia salvo. Vestia um traje de couro que não parecia corroer ou se desgastar pelo ácido aberrante. Um pano grosso ocultava seu nariz, boca e envolvia sua cabeça — usava uma proteção transparente esquisita nos olhos. Prendeu o arco sem corda a cintura e ergueu as mãos se aproximando do casal de forma amigável. Tinha uma voz masculina que dizia:
— Está tudo bem. Eu estou são, eu vim ajudar vocês.
O coração da elfa foi parar em suas botas. O homem que se aproximava congelou à cerca de dois metros deles, encarando-a. A natureza aberrante emitia ruídos estridentes e isso foi tudo que ouviram por alguns segundos. O homem removeu meio apressando e atrapalhado as camadas de tecido que cobriam seu rosto e a grande proteção que usava nos olhos, revelando orelhas alongadas e cabelos prateados.
— Sedrywen? — a voz perguntou perplexa.
— C-C-Cuthalion?!