Promessas — Parte Final

Diogo Stone
8 min readDec 3, 2020

Antes dos elfos singrarem os céus de Nivenciuén e partirem em direção de Arton, guerreiros que lutavam em nome de Glórienn representavam o ápice da nação élfica. Foram moldados pela própria deusa à sua imagem e semelhança. Paladinos entre os paladinos, eram belos, ágeis, ferozes, habilidosos e, acima de tudo, orgulhosos. Esse grupo seleto era conhecido como As Espadas de Glórienn.

Então Glórienn os traiu, caiu e a tormenta chegou.

Junto de seus horrores, a tempestade trouxe malícia, depravação e corrupção. Um a um os paladinos da ex-deusa dos elfos foram se convertendo ao seu novo senhor, exceto Zenon. O líder do grupo era orgulhoso demais para sucumbir à perversão lefeu, mas não à sua sedução. A promessa de poder encantou o elfo. Aceitou carregar um dos colossos de Igashera, tornando-se algoz de seu povo e trabalhando para aqueles que destruíram Nivenciuén.

Assim como Glórienn, pôs o orgulho acima de tudo e traiu sua nação, seguindo cada um dos passos de sua deusa criadora.

Talvez, um dia aquele lugar fora colorido, belo e mágico. Agora, o céu era um borrão vermelho, adornado por montanhas, planícies e relva também rubras. Os ângulos eram esquisitos ou impossíveis de existir, os rios eram feitos de gordura, as rochas de carne esponjosa e o capim — de tentáculos, espinhos, garras, dentes e olhos. Tudo isso contribuía para destacar a figura do tamuraniano que voava após receber um golpe.

— Zanshin! — Sedrywen bradava. — Mas que porcaria…

Prunna e Mu mantinham um rito coordenado. Ela cantava uma melodia grave, ele recitava um mantra numa língua morta que talvez mais ninguém conhecesse — e a chuva ácida que caía, fazia suas gargantas arderem. Energias arcanas envolviam o corpo de seu oponente, que sorria largo e despreocupado enquanto forçava seu torso desnudo a se voltar para Sedrywen e Cuthalion, que disparavam flechas de energia nele.

— Técnicas patéticas! É por isso que a nação élfica pereceu — Zenon desdenhou.

O elfo mal sentia o impacto das setas e, mesmo sendo atrasado pela magia de Prunna e Mu, seguia desviando de alguns disparos. Brandiu um arco invisível e uma forma grotesca de carne e ossos surgiu do chão até suas mãos. Disparou uma flecha de matéria vermelha daquela monstruosidade em Cuthalion. A seta piscou entre as realidades e, mesmo que o elfo tenha saltado para fora de sua trajetória, o projétil o acertou mesmo assim . Sedrywen se apressou em acudi-lo.

Quando encontraram o líder das Espadas de Igashera, esperavam uma abominação. Um ser aberrante e deformado, como Glórienn na anticriação. Entretanto, o seu horror foi ainda maior ao ver que ele estava intacto. Os cabelos azuis celestes, que pareciam brilhar iluminados pela luz insana da tormenta destoavam de tudo ao seu redor. Seus olhos carmesins não esbanjavam loucura, mas sim determinação. A única coisa corrompida que carregava era Ziumak, a espada lefeu, o colosso de Igashera.

— Nós somos perfeitos — a espada ressoou na cabeça de todos, Zenon sorria. — Somos um só. Corpo, espada, ambiente. Vocês poderiam se tornar tudo e ascender, por que escolhem a inferioridade? Entreguem-se, vocês não passam de marionetes esperando para terem suas cordas puxadas…

Não era a primeira, e não seria a última fala de Ziumak. E quanto mais lutavam, mais parecia que os lefeu tinham razão. De longe, Zanshin voltava correndo como um relâmpago para a batalha. Envolto em trevas e com os olhos brilhando em vermelho. Seus amigos protestaram, mas não deu ouvidos sacava a arma enquanto se aproximava bradando:

— Kessen tanjou ryuu — Kurai!

O golpe foi preciso e veloz. Sombras emanaram da espada e de seu corpo, pintando de preto o ambiente. Zenon ergueu Ziumak e aparou o golpe com facilidade. A espada de lâmina recurvada, torcida e disforme, possuia com dentes e garras que saíam de locais nada simétricos. Elaencarava o tamuraniano com um único, grande e amarelado olho.

— Inútil — a espada falou — , inútil!

Zenon golpeou com força e precisão. Seus ataques estremeciam a realidade. Era como se um ser colossal estivesse pisoteando o homem com lâminas gigantes no lugar de seus pés.

— Inútil — agora o elfo bradava em uníssono com Ziumak e, a cada grito, um novo golpe — , inútil, inútil, inútil, inútil, inútil, inútil!

O corpo de Zanshin estava ferido e retalhado. Percebia-se no olhar do elfo que ele estava adorando o que fazia. Sentindo-se superior, maior, mais forte. Levou Ziumak para longe de seu alvo que já mal conseguia se manter de pé. A espada colosso começou a brilhar, uma energia flamejante de matéria vermelha borbulhante se formava em sua superfície.

Racha montanhas!

— Caraca Zanshin! — em uma nuvem de fumaça Mu, apareceu ao lado do tamuraniano, tocou-o e sumiu. Reaparecendo ao lado de Prunna, carregando o amigo ensanguentado e semiconsciente.

O golpe foi avassalador, rompeu o chão a frente do elfo, percorreu uma distância indescritível e explodiu as colinas mais distantes. Agora, a topografia aberrante possuía uma nova ravina, de onde hordas de lefeu começavam a sair e se espalhar.

Sedrywen estava debruçada sobre Cuthalion enquanto usava sua divindade para ajudá-lo. O elfo arregalou os olhos enquanto sua ex-mulher fazia aquele milagre. Ele sentia a presença de Glórienn, como da última vez que a vira conjurar. Mas, dessa vez, sentiu que tinha algo mais. Zenon encarou a elfa que emanava uma aura dourada enquanto curava o peito do homem, mas ignorou-a e começou a andar na direção da dahlan que acudia o amigo caído.

— Vocês são patéticos. Não entendo por que se recusam a se tornar um de nós! Somos mais fortes, mais rápidos, mais piedosos... Aos que se opõem, oferecemos fins rápidos, aos que nos abraçavam, oferecemos a vida eterna! — Zenon falava virando o rosto aos céus, sorrindo para a chuva ávida que corroía sua pele, somente para cicatrizar logo em seguida. — Juntem-se a nós!

— Não há vocês — Sedrywen chamou sua atenção, colocando-se de pé novamente — Só eles existem aqui. Ziumak faz de você quem é, ela é o mestre, você é só um boneco. É ridículo ver alguém sucumbindo ao próprio orgulho, ficando cego pela própria ignorância, sendo consumido pelo próprio desejo. Siga os passos de Glórienn, paladino. Caia, morra e torne-se uma memória. Talvez se redimindo como nossa mãe fez, alguém se lembre de você com estima. Mas esse alguém não será eu.

Ódio. A única palavra que poderia chegar perto de descrever o sentimento que Zenon transparecia era essa. Ignorou Prunna que entoava uma cantiga e fechava os ferimentos de Zanshin, assim como não escutou o que Mu estava falando para desconcentrá-lo. Não ouvia mais nada, somente o pulsar do coração da tormenta que ficava mais forte enquanto andava até a elfa. A espada em sua mão parecia mover-se sozinha, aumentando e diminuindo.

Sedrywen finalmente entendera. Ziumak era a terra, o ar, o chão. Era o vermelho, as hordas de aberrações que surgiam e a chuva ácida que caía. Ela era a tempestade, pois a tormenta era tudo e tudo é lefeu. Tudo é Igashera.

— Eu não sou um bringuedo! Eu sou Zenon das cinco lâminas! O último paladino de Glórienn! Eu fui criado por ela, represento seus ideais! Eu sou tudo!

As palavras do elfo vinham misturadas com o brado de Ziumak em suas cabeças. Seus olhos estavam vidrados, a loucura estava ali o tempo todo, mascarada sob seu orgulho. Escondida onde ele jamais encontraria. Percorreu a distância que separava ele e Sedrywen num piscar de olhos, a espada lefeu brilhava forte e o próprio ar parecia ceder ao peso do colosso. O golpe desceu rápido, mas ainda mais veloz foi Cuthalion, que empurrou a elfa para fora do ataque.

O choque da lâmina partiu uma montanha a quilômetros dali. Vários lefeu foram trucidados pelo caminho e a área na direção do golpe fora devastada. Não restou tentáculos, espinhos ou olho. Tudo havia sido dizimado.

— Suma — Zenon bradou, possuído pela loucura.

Cuthalion se atirou sobre Sedrywen que, com horror, percebeu que o golpe não havia passado de raspão nele.

— Seu braço! — sangue escorria de onde o braço do elfo deveria estar.

— A vida de vocês dois é mais importante que isso!

Dois?

Antes que o golpe derradeiro chegasse, a atenção de Zenon foi puxada para longe. O pulsar de Ziumak gritava para que acabasse com os elfos caídos, mas a vontade dele venceu a do colosso. Viu Zanshin se erguer mais uma vez. Energias arcanas multicoloridas emanavam da tatuagem de Prunna — que tinha o formato de uma escama de cinco cores. Seus olhos brilhavam azuis e ela falava algo em dracônico que somente Mu compreendia. A magia fluía de seu corpo e fortalecia o do amigo. O tamuraniano sumiu e reapareceu em frente a Zenon, com suas espadas em punho e Kuraiga queimando das lâminas.

— Ougi ryumi no ken — bradou, canalizando uma parte do poder infinito de seu pai.

— Tasu hyaku! — completou a arquibarda.

Zenon colocou Ziumak entre ele e o golpe de Zanshin. O corte foi limpo, silencioso e preciso. Dividiu em duas partes, a espada lefeu, o elfo e uma montanha ao longe. Logo, o som dos escombros chegou para preencher o silêncio que se formou. Até mesmo a chuva tinha cessado.

De imediato, o cenário perdeu um pouco do seu brilho avermelhado. Os lefeu ao longe murcharam e pontos arenosos começavam a surgir em meio a podridão aberrante que se desfazia. Um colosso havia sido derrotado e, com ele, parte da tormenta parecia ter recuado. Antes de desmaiar pela perda de sangue Cuthalion balbuciou algo que só Sedrywen ouviu, e isso ficaria na cabeça dela por bastante tempo.

**********************************

A volta até a vila fora segura e muitos foram os cumprimentos que ouviram. Por um momento, sentiram-se de novo como um grupo de aventureiros que salvava uma festa em Smokestone, após recuperar um ovo de fênix. Cuthalion ainda estava abalado pela batalha, mas ficaria bem. Levaria um tempo para se acostumar ao braço de metal que Mu arranjou para ele.

Despediram-se dos habitantes dali e, numa nuvem de fumaça, estavam novamente em Arton. O homem deixou Sedrywen e Zanshin em Valkaria e, num segundo salto pelo espaço, estava com Prunna em Khubar. Em frente à casa que ela tinha na beira da praia, devolvendo-a a sua vida de rainha dos mares.

— Foi legal poder me aventurar com vocês de novo — a dahlan disse, ensaiando o melhor que podia para não derramar lágrimas.

— Pô, não é? Arrumei várias amizades novas e vários grupos, mas a sinergia nossa é uma coisa inexplicável — Mu carregava o sorriso de sempre. — Eu sei o que você tá pensando Prunna e fica tranquila. Isso não é um adeus, aventureiros nunca dizem isso.

— Tio Mu? — a voz vinha de dentro da casa enquanto um Enki boquiaberto se aproximava devagar.

O homem não conseguiu reter uma lágrima e se apressou em esfregá-la para longe. Chorar não fazia parte de seu vocabulário.

— Qual é moleque, tá cuidando bem da sua mãe?

Ficaram em silêncio. Mãe e filho, não conseguiram segurar o choro por muito tempo, fazia tempo que não se sentiam assim felizes.

— Ah caramba, vem cá vocês dois, me deem um abraço vai — com os braços envoltos nos pescoços de Enki e Prunna, permitiu-se chorar junto. — Como eu senti saudades de vocês…

VALKARIA.

O casal saía da sala de conferências após deixar Shivara feliz. As notícias eram promissoras e as promessas eram grandes, mas tinham certeza que dariam conta.

— Sedrywen — Zanshin chamou sério — , não precisa dizer se não quiser, mas eu percebi que você ficou estranha depois que derrotamos Zenon. Está tudo bem?

— Foi só algo que Cuthalion disse, mas acho que eu não tinha entendido direito. Precisei de tempo pra confirmar — a elfa mordeu o lábio — e eu também não sabia bem como te contar também.

O tamuraniano foi de sério, a curioso, a preocupado com velocidade. Ficou encarando sua amada de perto, sem dizer uma palavra. Sedrywen o conhecia, aquela expressão dizia “o que foi?” com clareza.

— Bem. É que ele sentiu duas presenças divinas em mim.

Zanshin ficou em silêncio abriu a boca para falar e voltou a fechá-la ao menos duas vezes. Olhou para longe processando o que tinha acabado de ouvir antes de voltar a encarar Sedrywen.

— Isso quer dizer que…

— Sim — disse assertiva — Logo teremos um bebê.

— Ah — respondeu sorrindo enquanto a abraçava com afeto.

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Written by Diogo Stone

Diogo é programadore, escritore, game designer e hater de impressoras. Uma pessoa entusiasmada que escreve contos de fantasia aqui e regras de RPG na Naiá Jogos

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