Servos

Diogo Stone
4 min readJan 28, 2021

Azgher se despedia no horizonte. O som forte da cachoeira preenchia todo o ambiente, e o piado das aves enfraquecia conforme elas se recolhiam para suas tocas. Contudo, um homem permanecia sentado sob a forte correnteza que caía sobre seus ombros. Meditava sem preocupação, sem pressa. Quando o último raio de luz deu lugar a noite, um vento frio rodopiou entre as árvores. O farfalhar das folhas foi seguido por um odor doce de crisântemos.

O homem abriu os olhos e levantou-se lentamente, encarando a mulher que vinha em sua direção. Ela trazia consigo aquele cheiro, o vento e a própria noite. Ele procurou suas roupas, mas não as encontrou. Deu de ombros.

— Quer se vestir? Justo agora que podemos nos banhar nas trevas? — a mulher dizia indicando suas vestes. Apenas um manto leve e quase transparente.

O homem saiu das águas enquanto a mulher chegava até a margem do pequeno lago onde a cachoeira desaguava. Ele a encarava em silêncio, não era comum receber sua visita. Mas os cabelos dela — negros como a noite e reluzindo como as estrelas no céu — o hipnotizaram a responder.

— A que devo a honra, Tenebra?

A deusa revirou os olhos.

— Você mal abre a boca e já fala de honra?

— É o que sou. É minha essência, me surpreende que isso a ofenda.

Tenebra sorriu e se aproximou um passo, ele se afastou dois.

— Não seja tolo. Você teria que se esforçar bem mais pra me ofender Lin-Wu — seu sorriso endureceu — E, de fato, você me ofendeu.

Por instinto, o deus da honra levou a mão até a cintura, na altura onde suas espadas estariam — se não estivesse nu.

— Não vamos nos exaltar, por mais que você aparente estar bem exaltado — Tenebra diz analisando Lin-Wu dos pés à cabeça. — Vim falar sobre os mimos que você dá ao seu filho.

— E por que a maneira que trato meu filho seria de seu interesse?

— Por que você achou que seria uma ótima ideia intervir com a morte de um de meus servos para agradá-lo.

Por uns instantes o único som foi o da cachoeira.

— Kuraiga demonstrou-se alguém honrado ao longo de sua vida. Ele salvou a vida de Zanshin, protegeu ele quando ele não tinha mais forças para lutar e, no fim, deus a vida para proteger Sedrywen.

Tenebra riu.

— Ele salvou Zanshin para fugir da torre da morte. Ele protegia seu filho, pois sem aquele corpo, estaria à mercê de todos. Qualquer aventureiro preconceituoso o suficiente atacaria um demônio das sombras sem perguntar nada a ele.

A deusa da noite deu mais um passo à frente, dessa vez Lin-Wu não recuou.

— Ele é mentiroso, dissimulado, fugaz e sorrateiro. Um ladrão e, acredite, um assassino. Essa é a honra que você representa?

A face impassível do deus dos samurais deu lugar a um cenho franzido, Tenebra sorriu. Havia ferido o orgulho do dragão de jade.

— Eu não espero que você compreenda meus motivos, dama da noite, e também não me interesso em criar qualquer desavença entre membros do Panteão.

Uma tempestade se formava no horizonte. O clima de Sora acompanhava o humor de Lin-Wu e, naquele momento, ele estava inquieto. Seu coração divino pulsava com força enquanto arquitetava uma saída para o caos que havia colocado sobre si.

Representar a honra significava que era seu dever não mentir e ser justo. Foi sincero quando disse que viu bondade e servidão em Kuraiga, mas sabia que agiu errado impedindo a passagem do demônio para Sombria. Havia se intrometido no julgamento de uma alma que não lhe pertencia e, mesmo que fosse insignificante para alguns deuses, não era assim para Tenebra. Ela acolhia a todos seus servos como se fossem seus filhos.

Pois a noite é a mãe das trevas.

— Errei e não sei como poderia reparar isso — admitiu, sustentando o olhar acusatório da deusa.

— Reconhecer o erro e querer melhorar é honrado de sua parte.

O silêncio se instaurou novamente. A tempestade que se formava começava a dar seus primeiros respingos e o martelar no peito de Lin-Wu superava o som da cachoeira. Reunindo a coragem que faltava para concertar seu erro, o dragão de jade elevou a voz acima dos outros sons.

— O que você quer?

Tenebra sorriu maliciosa.

**********************************

Os passos da deusa da noite eram quase inaudíveis contra a pedra branca que decorava o chão de sua fortaleza. Recém havia retornado de Sora e seus cabelos ainda estavam bagunçados, mas já não vestia mais o véu. Devia tê-lo esquecido.

Aproximou-se de seu trono onde uma figura de pele cinzenta a esperava praticamente deitado. Quando avistou Tenebra, demorou-se a se ajeitar para recebê-la.

— Quando eu disse fique à vontade, não foi bem isso que eu quis dizer, Kuraiga.

— Ah, qual é? É mó confortável isso aqui — o demônio renascido levantou e lançou-se em direção a deusa da noite com um sorriso largo no rosto. — Mas me conta, deu tudo certo?

Tenebra apenas sorriu.

— Isso! Perfeito! É sempre um prazer servi-la, senhora das trevas — completou com uma reverência ensaiada.

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

Diogo Stone
Diogo Stone

Written by Diogo Stone

Diogo é programadore, escritore, game designer e hater de impressoras. Uma pessoa entusiasmada que escreve contos de fantasia aqui e regras de RPG na Naiá Jogos

No responses yet

Write a response