Temperança
A luz cálida de Tenebra inundava Valkaria. Logo, Azgher viria para afugentá-la, mas a dama da noite se vingaria em breve. Uma disputa incessante, uma dança entre os deuses. Alheios a isso, em seu quarto, o homem santo começava a esconder sua nudez colocando suas roupas de volta. Parou por um momento, esfregando uma marca avermelhada que um chicote deixara em seu abdômen mais cedo e sorriu. Distraído em seus pensamentos, não notou a aproximação dela por suas costas, que o agarrou e tocou seu pescoço com os lábios. Um beijo suave e carinhoso.
— O que você está fazendo, Theikos — sua voz era sonolenta. — Venha se deitar, faz dias que você não coloca os pés em Valkaria. Vamos aproveitar mais um pouco…
Havia malícia naquelas palavras. O homem respirou fundo, tomou a mão de sua amada que o abraçava e a beijou. Sem se virar para encará-la, falou:
— Não posso.
A dahlan afrouxou o abraço e se afastou meio passo, jogou os cabelos castanhos para trás e escolheu bem as palavras que diria. Ainda não era muito boa com elas.
— É algo relacionado a sua fé, não é?
Theikos suspirou e se virou. Encarou-a nos olhos como sempre fizera e, naquele momento, sustentar aquele olhar era uma vitória. Pois se sua visão escorregasse, o corpo desnudo dela poderia fazê-lo fraquejar.
— Não exatamente, Thaly. A senhora da ambição não mede meus desejos. Muito pelo contrário, ela me desafia a querer cada vez mais.
A clériga o soltou e se sentou na cama. Gostava de ouvir a voz dele e a forma como falava. Contudo, não era exatamente o que ela queria que ele fizesse com a boca naquele momento.
— Então o que seria? — disse tentando esconder a impaciência que começava a aflorar.
— Não tive uma ordem santa, nem instrutores. O código que sigo define quem sou, e tive que descobri-lo sozinho. Os acólitos chamam algumas de minhas decisões de virtudes e elas são o que separam clérigos — dizia apontando para ela — de paladinos — concluiu voltando a ponta do dedo para si.
Thalyandra balançava a cabeça em concordância. Podia sentir o coração e a vontade de agarrá-lo martelando o peito. Theikos não era a pessoa mais sagaz que conhecia e, naquele momento, não sabia se queria bater nele ou… bater nele de outra forma.
— E o que isso tem haver com… isso? — gesticulava para o homem que discursava nu com as roupas nas mãos.
— Ah, claro. Uma de minhas decisões foi a de saber equilibrar meus desejos, sabe? Ser comedido e evitar exageros. Ser temperante pode me privar de… coisas. Mas é isso que me inspira a seguir em frente, que me dá forças e que serve de suporte para eu me segurar quando os desafios tentam me abalar.
Os dois ficaram se olhando por um tempo, em silêncio. Dando de ombros, ele continuou a se vestir. Ela suspirou e se atirou na cama mais uma vez, espreguiçando-se. Havia decidido amar o paladino e iria respeitar seus modos como ele respeitava os dela. Sentou-se na cama e começou a colocar suas roupas também.
— Está cedo Thaly, você poderia descansar mais.
Sem demora a mulher já estava de pé e vestida, caçando as partes de sua armadura pelo quarto. Agarrou uma das proteções para os antebraços e começou a prendê-la.
— Poderia — disse entre os dentes que usava para segurar uma das tiras de couro de sua braçadeira — , mas eu preciso ir até o pátio de treinamento e bater em você. Agora.
Theikos sorriu.