Tesouro

Diogo Stone
4 min readMar 25, 2021

O homem alto e esguio analisava a situação. Mantinha seus pés firmes contra a areia, em silêncio observando o garoto a sua frente com olhos semicerrados. O rapaz, por sua vez, arfava um pouco. Assumia uma postura de combate enquanto encarava a figura estoica. O barulho do vai e vem das ondas do mar preenchia seus ouvidos e acalmava um pouco seu coração acelerado.

Um brilho azulado surgiu nos lábios do homem, sua expressão pareceu endurecer ainda mais. Com um grito seguido de um estrondo, um relâmpago irrompeu de sua boca, traçando um caminho tortuoso até o garoto. Ele observou, quase em câmera lenta, o raio romper o ar que separava as duas figuras que lutavam na praia. Escolheu um lado e saltou com todo o vigor que lhe restava, entretanto, no último momento, o relâmpago voltou-se na direção de seu salto e o atingiu.

Um cheiro de queimado surgiu. O garoto ficou estatelado contra a areia por longos segundos. O homem se empertigou e riu. Com dificuldade, o jovem se pôs de pé, sacudindo suas madeixas rosadas e chamuscadas.

— Qual é, tio. Não fica rindo assim. É difícil!

— Pô, Enki. Mas olha só, é o terceiro que você pula na frente! Eu já falei. Todo raio faz uma espécie de zigue-zague, que as vezes tem mais zigue, noutras tem mais zague. É só olhar o comecinho!

— Eu sou um meio-dragão do mar, tio Hydora. Do mar!

A cara emburrada do rapaz arrancou mais uma risada do rei dos dragões do ar. Havia aceitado treinar com ele, pois tinha curiosidade de saber como os outros reis dos dragões lidavam com assuntos similares aos que Benthos enfrentava. E dentre as opções, Hydora era o único que estaria disposto a não arrancar o coração de Enki. Talvez ele até gostasse do garoto.

— Certo, certo. Vamos dar um tempo com isso então e vamos para a segunda lição — o sorriso do rei dos dragões se alargou. — Tesouros. Quais são seus tesouros, Enki?

O rapaz ajeitou-se e sentou no chão. Ele apreciava o contato com a areia da praia, fazia-o se sentir em casa. Hydora, por outro lado, jamais encostava no chão. Pensou por um longo momento sobre a pergunta e lembrou de seu tio Mu. Muito se falava sobre riquezas, nobreza e valores. Mas se tinha algo que ele tinha aprendido com o arcanista, é que a nossa maior força vem dos nossos amigos.

E de um braço metálico.

— Meus amigos — disse com convicção.

Por alguns momentos, somente o som das ondas podia ser ouvido, mas a risada de Hydora logo o sobrepujou.

— Tá de brincadeira, né?

Enki já havia falhado nos treinos de desviar de relâmpagos, não queria continuar errando. Pensou rápido e lembrou de sua tia, Sedrywen. Alguém que, mesmo perdendo tudo, encontrou motivos para seguir em frente e lutar pelo que era certo.

— A causa pela qual luto?

O deus dos dragões sentou-se no ar, como se estivesse se debruçando em um trono. Estava adorando os absurdos de seu sobrinho. Dessa vez nem falou uma resposta, apenas balançou a cabeça negativamente.

Era impossível que tudo que aprendeu com seus tios que, derrotaram Lamashtu, não fosse um tesouro. Lembrou-se de seu tio Zanshin e de Kuraiga.

— Minha honra? — não gostava muito do conceito, mas até mesmo um demônio das trevas foi reconhecido como justo por Lin-Wu. A honra parecia algo importante.

O rei-deus dos dragões do ar suspirou.

— Honra? Bateu a cabeça? Os choques fritaram seus miolos?

Buscou uma nova alternativa e lembrou-se de sua mãe. A maneira como ela cantava de suas aventuras, o jeito que cuidava de quem amava. Ela é uma das pessoas mais próximas do próprio deus dos dragões, não tinha como estar errado.

— As minhas histórias?

Balançando as mãos negativamente, Hydora se levanta do seu trono de vento.

— Não, não. Chega dessa baboseira. Eu estou falando de tesouros de verdade, Enki. Joias, ouro. Coisas de valor de verdade! Você é o dragão mais esquisito que eu já vi…

— Não chame meus filhos de esquisito, Hydora. Alguém que sequer toca o chão não tem o direito de achar os outros esquisitos — Benthos dizia enquanto saía do mar. — O que diabos está acontecendo aqui?

— Seu filhote queria saber o que dragões de verdade fazem, e eu estava ensinando. Não me leve a mal, mas eu acho que ele tá meio bitolado das ideias com o que vocês ensinam.

— Algum problema com o que eu ensino para o meu filho?

A voz de Prunna cortou o ar como uma faca. A energia arcana que a levou até ali ainda brilhava em seu corpo. Fúria, a joia de sua coroa, ardia com vigor.

— Ele é um dragão. É a origem dele. É como Kallyadranoch, nosso pai, quer que as coisas sejam — Hydora se defendeu.

— Com Kally eu me entendo, agora você, saia do nosso reino antes que eu lance um relâmpago que você não consegue desviar.

Nuvens azuladas envolveram o corpo esguio de Hydora enquanto ele desaparecia em pleno ar. Seu sorriso sinuoso desdenhava enquanto desaparecia.

— Duvido.

Prunna revirou os olhos e andou até Enki. Vendo que estava tudo bem com o garoto, apesar das roupas chamuscadas, balançou a cabeça um pouco frustrada. Ela entendia que o garoto tinha curiosidade sobre os costumes dracônicos e não faria sentido reprimi-lo por ele querer entender o que ele era. Contudo, a lição interrompida sobre tesouros havia deixado questões não respondidas ao jovem meio-dragão.

— Pai. Nós falávamos sobre tesouros, mas acho que o tio Hydora não tem a mesma visão que nós sobre eles. No fim, não consegui perguntar o mais importante; como você protege seus tesouros?

Benthos nem precisou pensar muito sobre seus tesouros. Afinal, riqueza material nunca o interessou de verdade. Isso era coisa do povo do mundo seco. Olhou com ternura para Prunna e sorriu, não tinha dúvidas do que era realmente importante para ele.

— Eu não preciso proteger meu tesouro, filho — encontrou os olhos da dahllan enquanto concluía. — Ele é capaz de se defender sozinho.

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Written by Diogo Stone

Diogo é programadore, escritore, game designer e hater de impressoras. Uma pessoa entusiasmada que escreve contos de fantasia aqui e regras de RPG na Naiá Jogos

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