Uma valsa para dois

Diogo Stone
7 min readJun 2, 2022

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O salão barulhento e repleto de pessoas incomodava o hanyo rato. Coçava constantemente o pescoço, tanto pelo incomodo que o terno causava, quanto pelo nervosismo de estar ali. Não se sentia nada a vontade em meio a pessoas ricas trocando conversas desinteressantes, mas o fato de ter conseguido entrar ali disfarçado era promissor. Não que ele tivesse qualquer mérito disso, já que quem forjou os convites, enrolou as guardas, traçou o plano e o colocou no meio daquilo tudo, havia sido a mulher ao seu lado.

Ela trajava um terno vermelho e preto perfeitamente ajustado ao corpo esguio. As orelhas felinas se misturavam as madeixas brancas em um penteado elaborado. Ele usava um terno preto comum, parecia mais um segurança do que um acompanhante; ao menos fora o que uma das guardas havia dito. Varya achou graça, Vinnie estava nervoso demais pra isso. Suas orelhas, grandes e redondas, mexiam-se involuntariamente a todo momento.

A hanyo agarrou uma taça da bandeja de um garçom que passava, levando a bebida aos lábios sem muita preocupação em marcar o cristal com seu batom. O rato a olhou com uma sobrancelha erguida.

— O que? — ela perguntou com seu sotaque russo carregado. — Estou me misturando.

— Não acho prudente beber durante o serviço — a voz dele era nasalada.

Ela pousou a mão livre no ombro do hanyo, chegando mais perto e vasculhando o local com os olhos. Avistou sua equipe perfeitamente infiltrada como funcionários do local: Ani e Clara serviam bebidas enquanto Sam carregava comida de um lado para o outro.

— Vinnie D. Ratatouille Junior, você precisa relaxar.

— Você quis dizer Jacques Lafran, certo, Stefania Varzoff?

A resposta vinda na forma de um revirar de olhos já exprimia o que ela achava sobre aquilo. Por mais profissional que Varya e sua equipe fossem, ela ainda gostava de usufruir das mordomias dos burgueses que o grupo assaltava. Naquela noite, a única diferença era o rato que a acompanhava, uma companhia bem-vinda, se a perguntassem.

Apesar da insegurança dele, natural para a primeira vez fazendo aquilo, ele era a melhor aposta que tinham. O assalto tinha que acontecer naquela noite, todos estariam prestando atenção no baile de debutante de uma riquinha qualquer; mas não eles. Apesar de Ani, líder e hacker do grupo, ter conseguido as plantas do casarão, ela não conseguiu a combinação do cofre. Explosões e serras estavam fora de cogitação, então nada de Clara agir. E é por isso que “Doctor”, como Sam rebatizou Vinnie, estava ali. O hanyo não precisaria de senha alguma para destravar um cofre feito de metal.

Em dado momento, após Varya secar outras duas taças sob protestos de Doctor, as luzes reduziram e a jovem garota fora apresentada aos presentes. A dupla revirou os olhos tomados pelo desgosto e pelo sentimento de vergonha alheia daquele evento. Entretanto, precisavam seguir com o plano.

Após algumas palavras ensaiadas e risadas que pareciam coreografadas para um sitcom de péssima qualidade, iniciou-se a valsa da garota. Logo, os convidados se uniram a dança, e foi isso que a dupla de hanyos fez. Pararam frente-a-frente, um par de mãos juntas e as outras apoiadas no quadril e ombro.

— Var- - Stefania. Eu não tenho a menor ideia de como se dança.

Ela sorriu.

— Não se preocupe, eu danço por nós dois.

Seguiram bailando por entre os vários pares com Varya conduzindo a dança. Ela parecia estar se divertindo. Se era a adrenalina do assalto prestes a ocorrer, a dança que ela gostava, a companhia, ou tudo isso junto, era difícil dizer. Vinnie agora estava mais calmo, apesar de ainda desconfiado de tudo que acontecia ao redor.

— Espero que isso valha a pena — ele confessou durante uma salva de palmas antes de voltarem a dançar.

— Depois daqui a gente conversa melhor — um sorriso fino pintava os lábios dela, ele não respondeu.

A dança os levou para próximo da borda da pista, bem perto das escadas que levavam para o interior da casa. A equipe estava de prontidão por ali, apenas aguardando o momento de agir.

— Está pronto? — ela perguntou enquanto suas garras cresciam apoiadas no ombro do hanyo.

— Não.

— Excelente.

Com um gesto rápido, Varya cortou o ombro de Vinnie, retraindo as unhas logo em seguida. Os dois, que ainda dançavam, cambalearam e esbarraram em Sam que limpava algo próximo a pista.

— Oh não, ele está sangrando — Varya soou teatral.

— Acalme-se dona — Sam disse enquanto elu e Ani corriam para acudi-los.

— Levem ele para os fundos antes que atrapalhe a festa, não queremos estragar o grande dia da princesa — se não soubessem que era Clara, teriam ficado estarrecidos com a grosseria.

Correram até os fundos da casa. Ninguém questionou o machucado ou pareceu se preocupar com o ferido, apenas abriam caminho para que o tirassem dali e não estragasse a festa. No entanto, chegando ao local indicado, tomaram o caminho contrário e subiram as escadas. Avançavam rápido, Sam e Varya alternando as posições conforme checavam se o caminho estava livre. Vinnie apenas os seguia ao lado de Ani, lançando olhares para todos os lados. Seus sentidos, aguçados a menor vibração do solo, estavam completamente desnorteados com as caixas de som fazendo o lugar inteiro tremer.

Avistaram o escritório e entraram sem cerimônia, dando de cara com um homem ao celular e dois seguranças. Sam disparou um teaser contra um dos brutamontes enquanto Varya saltava sobre o segundo. Eles quebraram uma estante e a hanyo o desacordou com uma joelhada na testa. Ani tomou o celular das mãos do homem, que desmaiou em sequência.

— Ele te liga depois — respondeu para a pessoa do outro lado da linha antes de desligar o telefone.

— Parece que o idiota está aqui, mas é uma pena que ele desmaiou, se não poderíamos fazer ele abrir o cofre — era Sam.

Ani levantou a cabeça, escutando com atenção. Ouviu passos e um grito esbaforido.

— Não precisamos desse inútil, precisamos é nos apressar. Vai lá, Doctor, faz sua magia.

O hanyo se aproximou do cofre, confirmando que era de metal mesmo. Ele se virou e encarou Ani, fechando o punho e movendo-o lentamente.

— Não é magia, isso não existe. Tecnicamente, é uma ciência.

Um clique alto soou da caixa de metal e sua porta se abriu, revelando o conteúdo em seu interior.

— Só isso? — Sam soou desapontade.

— Esperava o que? Que eu arrancasse a porta? Qual a necessidade disso?

— Seria mais estiloso — ês três disseram em uníssono.

Doctor revirou os olhos, levantou-se e gesticulou com mais veemência, arrancando a porta de metal e arremessando-a pela janela.

— Felizes? — ele permanecia estoico, o grupo sorria e festejava.

Ani se abaixou e revirou o cofre. Entregou algumas barras de ouro para que colocassem em sacos e checou rapidamente alguns documentos que haviam ali. Separou dois deles e os guardou na própria bolsa. Vinnie ficou curioso, mas não perguntou sobre, já que Varya e Sam pareceram não se importar com aquilo. Afinal de contas, o hanyo só queria dar o fora dali.

— Você tinha que ter visto a cara dele Clara! — Ani ria. — Parecia que ele tinha visto um fantasma!

— Deve ter visto um mesmo. O próprio espírito saindo do corpo! — era Sam.

As risadas ecoavam de dentro do esconderijo. Do lado de fora, numa pequena sacada, Varya ajudava Doctor a suturar o rasgo que ela mesma havia feito no ombro dele.

— Seria mais fácil se você me deixasse fazer isso — a hanyo protestou.

— Eu preciso ser autossuficiente.

— Mas não precisava ser tão teimoso.

Ele suspirou alto. Balançando a cabeça positivamente repetidas vezes.

— Certo, certo. Já que insiste, tudo bem.

A gata tomou os utensílios e se sentou na amurada, ficando prostrada sobre o outro enquanto dava sequência a costura. Ficaram um tempo quietos, ouvindo apenas alguma risada mais alta que vinha dos outros ou um resmungar do rato ao ser alfinetado pela agulha.

— Obrigada por nos ajudar lá — Varya quebrou o silêncio.

— Foi… divertido. Assustador e perigoso, mas divertido.

— Podemos te chamar mais vezes.

Vinnie a encarou sobre o ombro em silêncio por algum tempo. Os olhos dela saltavam da tarefa para os dele.

— Seria interessante — disse finalmente — , mas eu tenho um compromisso. O Latão precisa de um médico que não tenha medo da Los Zetas para atender a população de graça.

— Eles não deixam?

— Não pois eles cobram parte do que a gente recebe. E se você não recebe nada…

— E por que você faria isso sem esperar nada em troca? É burrice.

Para surpresa de Varya, ele sorriu. Ela voltou a focar apenas em sua tarefa enquanto falavam.

— Não é burrice, é assinar a própria sentença de morte, pra ser exato. Mas eu não me importo. A comunidade sempre foi mais importante que meu bom senso, ou o do meu pai, ou o de qualquer pessoa da minha família. O povo daqui não tem ninguém pra ajudar eles, então se eu puder ao menos tratar da saúde deles, ótimo.

— De graça?

— Sim.

— Ninguém faz nada de graça.

Vinnie pousou a mão sobre a da hanyo que o suturava, dragando seu olhar de volta para o dele.

— Eu faço — se encararam por uns instantes e, então, ele franziu o cenho. — Você está ronronando?

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Diogo Stone

Diogo é programador. Um cara entusiasmado que escreve fantasia e RPG de forma amadora. Sonha com seu mundo de fantasia: Danda. #DandaRPG