União e Ruptura

Diogo Stone
6 min readMay 19, 2022

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O homem saía da loja de conveniências bebendo uma lata de cerveja de uma só vez. Ao finalizar a bebida, soltou um grito esganiçado, amassou a lata na cabeça, ajeitou seu moicano avermelhado e descartou a lata na lixeira mais próxima. Uma coisa era ser membro da gangue Los Zetas, outra era ser tão ruim a ponto de jogar lixo no chão.

Hermanito, quer uma cerveja também?

Falava alto, oferecendo uma segunda cerveja ao homem que abastecia três motos no posto de gasolina. Ele poderia ser confundido com um funcionário dali, já que vestia um macacão de mecânico. Os dois eram muito parecidos. Musculosos, corpos grandes e com brasões da Los Zetas nas roupas. Entretanto, o que oferecia a bebida tinha a pele bronzeada, um sorriso sempre estampado no rosto, um moicano e uma corrente de ouro presa ao pescoço. O outro tinha a pele pálida e o cabelo curto e castanho, com o rosto adornado por um volumoso bigode.

— Você vai dirigir, Mano. Não deveria estar bebendo.

Dios mio, você precisa relaxar. Estamos no Latão, já estamos em casa.

— O Vinnie tem razão — uma terceira voz disse.

Da mesma loja, um hanyo tubarão vinha na direção dos dois. Ele era mais alto que os outros dois, tinha uma expressão sisuda e cabelos curtos azulados. O que mais chamava atenção era uma enorme barbatana em suas costas, com diversas cicatrizes e incisões; e a grande fivela de seu cinto com o emblema da Los Zetas.

— Ah, Miguel. Tomando água de novo?

Miguel revirou os olhos.

— Toma hermano, eu trouxe aquele refrigerante de uva que só você pra gostar tanto.

Vinnie terminou de abastecer a última moto e aceitou a bebida com um aceno de cabeça e um sorriso no rosto.

— E, sim, Manolo. Água. Tenho que me manter hidratado. Do contrário, meu cérebro pode murchar e eu acabar ficando parecido contigo.

Um longo silêncio se fez entre eles. Um senhor, tenso, observava a cena de dentro da loja. Em certo momento, os três irromperam em risadas.

— Você é um cretino, Miguel — Manolo dizia entre risadas.

— É de família pelo visto — era Vinnie.

Quem não conhecesse os emblemas que carregavam, diria que eram apenas três desajustados bebendo, falando alto e andando de moto pelo Latão. Contudo, pertenciam a uma das gangues mais conhecidas e violentas do mundo todo. Mas não só isso, era também quem mandava no Latão, a ilha-cidade dominada pela criminalidade.

As risadas cessaram e um silêncio confortável se fez entre eles. Eram companheiros a muito tempo. Vinnie e Manolo, irmãos, eram parceiros desde o berço. Já Miguel, nem lembravam quando tinham se conhecido direito. O hanyo era da família desde que se lembravam. Apesar do conforto, Vinnie parecia nervoso, algo que não passaria despercebido por seus amigos.

— Vai, fala logo — era Miguel. — Essa sua cara azeda tá fazendo mal pro meu estômago já.

Vinnie suspirou.

— É que… eu estou de rolo com uma garota a algum tempo já e…

— ¿Qué? Fala sério? — Manolo parecia muito animado, Miguel seguia sério. — Quem é a sortuda e por que essa cara de funeral, hermanito?

— É que ela é uma hanyo — o sorriso de Manolo fora desaparecendo — e ela está grávida.

Todos ficaram em silêncio. Pensativos. A Los Zetas era conhecida por perseguir shens e hanyos atrás de possíveis curas mágicas. Eles acreditam que as partes “exóticas” de seus corpos carregam propriedades místicas. E isso normalmente não acabava bem.

— Eu acho que vou sair da gangue.

Miguel e Mano trocaram olhares rápidos antes do tubarão falar.

— Espero que você esteja brincando, Vinnie. Você sabe que não é assim que funciona.

— Eu preciso tentar. Uma coisa é eu ter sido burro e ter entrado na gangue, outra é colocar a família em risco — deu de ombros.

Distraídos pela revelação, o grupo nem notou quando duas viaturas policiais pararam próximas a eles. Quatro pessoas saíram dos carros, apontando pistolas para os três e se escondendo atrás das portas.

— Parados aí. Entreguem-se pacificamente e ninguém se machuca — um dos policiais anunciou no alto falante.

— Ora, ora. Vamos brincar — o sorriso havia voltado ao rosto de Manolo como num passe de mágica.

Quando começou a andar, foi parado pela mão de seu irmão. Vinnie balançava a cabeça negativamente.

— Eu preciso fazer isso, deixe comigo.

Vinnie ergueu as mãos e começou a caminhar lentamente na direção dos policiais. As quatro pessoas se entreolharam e uma delas correu para algemar o homenzarrão. Vinnie tinha duas cabeças a mais de altura que o policial, e provavelmente o dobro do peso.

— Elas estão bem presas — perguntou indicando as algemas.

O policial engoliu em seco, mas concordou com a cabeça.

— Ufa, assim você não se machuca tanto.

Vinnie passou as mãos por cima da cabeça do homem, puxando-o pra perto de si com auxílio das algemas e prendendo-o numa espécie de chave. Saltou dando um giro no ar, com mais graça do que um corpo daquele porte parecia capaz de fazer e caiu de cabeça para baixo em cima do capô de um dos carros.

Levantou-se com um sorriso no rosto, as mãos ainda presas pelas algemas e o policial desacordado sobre o carro amassado. Manolo e Miguel riram e partiram para cima dos policiais. Amedrontados demais para reagir, conseguiram apenas levar uma surra e terem os carros depredados. Os irmãos pareciam ter um certo desapreço por qualquer veículo que não fosse uma moto.

Vinnie procurava as chaves das algemas nas coisas de um dos policiais caídos e, em dado momento, o homem despertou. Tinha uma marca roxa no rosto e um ou outro dente faltando. Arregalou os olhos e começou a balbuciar.

— V-Vinnie Di…

— Eu mesmo, mas chama só de Vinnie.

— Você é o cara da oficina — tentou formular algo mais pra dizer, mas só conseguiu dizer — Por que?

— Sobrevivência. Latão é um lugar complicado, mas é a nossa casa. Se for preciso fazer coisas erradas pra proteger a comunidade, eu faço. É um preço pequeno.

O homem não respondia, apenas observava.

— Mas acho que tá na hora de mudar um pouco as coisas. Esse posto aqui, por exemplo, era um ponto de venda da Los Zetas — indicou por cima do ombro para Mano e Miguel que espalhavam gasolina pelo local. — E é por isso que nós vamos explodir esse lugar.

— Explodir?! Mas e…

— Já tiramos as pessoas daqui e seus amigos estão lá nas árvores dentro de uma viatura toda quebrada. E se você precisar de uma ou outra informação de dentro da gangue, arrume uma moto e venha consertar ela na Oficina D. — concluiu com uma piscadela para o homem. — Como é seu nome mesmo?

— Eu… E-Enrique. Enrique Gonzalez.

— Certo Enrique, eu não achei as chaves dessa porcaria, então…

Vinnie se colocou de pé e forçou as correntes das algemas bradando:

— Boom, boom. Shake, shake, shake, boom!

Uma explosão de raios irrompeu de suas mãos, partindo as algemas, assustando o policial e deixando-o inconsciente mais uma vez. Vinnie deu de ombros, colocou-o na viatura junto de seus colegas e partiu com Manolo e Miguel.

Parados em um mirante, com a lua já dando boas-vindas nos céus, os três observavam os bombeiros apagarem o incêndio no posto.

— Você escolheu um caminho sem volta, Vinnie — era Miguel.

Ele assentiu.

— Confesso que tacar fogo em algo da gangue foi muito melhor do que eu imaginava — era Manolo.

Todos riram um pouco tensos.

— Vocês não precisavam ter feito isso. Pode dar ruim pra vocês também, só eu quero pular fora dos Zetas.

Miguel deu um tapa no ombro de Vinnie, a expressão voltando a ser sisuda. Manolo continuava a rir.

— Nós somos uma família, seu idiota. Arrumamos problemas juntos desde que aprendemos a andar, não seria diferente agora — Manolo seguia dando risada, e isso irritava Miguel. — Você tem algo engraçado pra compartilhar ou só vai aí rindo que nem um imbecil?

Mano continuava sorrindo.

Chico, eu vou ser tio!

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Written by Diogo Stone

Diogo é programadore, escritore, game designer e hater de impressoras. Uma pessoa entusiasmada que escreve contos de fantasia aqui e regras de RPG na Naiá Jogos

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