É uma partida de 3D&T

Diogo Stone
4 min readMar 11, 2021

O grande salão estava quase vazio. A luz que vinha do grande vidro pintava as paredes e o som mágico de algum feitiço reverberava no local. Apenas duas pessoas encontravam-se ali. Uma mão de garras afiadas remexeu no pote que repousava no majestoso sofá e tirou alguns grãos do que parecia ser amendoim. Do outro lado da sala, sentado em uma poltrona menor, de cabelos arrepiados e sem camisa pelo calor que fazia ali, o elfo bradava animado.

— Eles vão todos morrer! — ria em júbilo. — Eles são muito fracos!

— Edauros, acalme-se. Já estávamos exaltados agora a pouco, agora relaxe e aproveite o show.

— Foi mal Kally, é que eu lutei com eles, né. E eles caíram tudo rapidinho, sabe como é…

O deus dos dragões suava um pouco, seu corpo ainda estava quente. Sinalizou para que o sumo-sacerdote ficasse em silêncio. Na grande tela, via-se quatro humanos e uma elfa aprisionada no corpo de uma humana. Eles discutiam e mexiam pequenas imagens que representavam heróis em Arton. Naquele momento, alguém falava sobre “anulação de magia ter alcance curto”.

— Kally, por que mesmo essa moça de cabelo roxo fala como se fosse a Prunna?

— É assim que o multiverso funciona, você não prestou atenção quando expliquei antes?

Edauros coçou a cabeça constrangido.

— Eu estava um pouco cansado.

Kallyadranoch revirou os olhos. Talvez terem se exercitado antes de assistir aquilo não tivesse sido uma boa ideia. Os acontecimentos se desenrolavam e Mu saltava no meio da legião de guerreiros, explodindo um trovão e atacando os lichs em seguida. Na sequência, os necromantes que sobraram impediam Prunna de conjurar suas magias. Sedrywen saía de um dos dínamos que havia destruído e Zanshin lutava junto de Enki para proteger a dahllan dos temíveis Barghest atrozes.

Em dado momento, Drazag — filho de Ragnar que liderava aquele exército — ataca o arcanista e o fere mortalmente. Contudo, a bênção do deus da morte brilha e o toque da ruína transforma o homem em pó. Sua existência havia sido obliterada. Kally rilhou os dentes.

— Falei que eles eram fracos! Já morreu um! — Edauros comemorou.

— Bola na trave não altera o placar.

— Que?

— Nada, é algo que Mu diria.

— Que?

Revirando os olhos de novo voltaram a observar os acontecimentos se desenrolando. Drazag os ameaçava tentando persuadi-los a desistir e se render. Os jogadores, como Kallyadranoch havia os chamado, riram. Era a vez de Prunna, e isso normalmente levava algum tempo e inúmeras discussões e hipóteses. O tempo parecia correr mais devagar, Edauros se incomodava com aquilo.

— O que é esse monte de texto que aparece ali do lado?

— Nada de mais, só conversas paralelas.

— Quem é esse tal Caçador Fantasma e por que ele está entregando o jogo? É coisa sua, deus dos dragões?

Kally não respondeu. Ao invés disso, citou algo que acontecia no momento.

— Olha, minha irmã está aparecendo. Me pergunto o que Tauron acha de todo o protagonismo que Glórienn vem tendo nestes acontecimentos.

Mal terminara de falar e Prunna entoava uma música em dracônico. O sorriso do deus do poder quase não coube no rosto. Levantou em êxtase derrubando o pote que havia sobre o sofá e seu rugido assustou até mesmo Edauros.

— Isso! Agora sim! Isso ali — falava com a voz gutural enquanto apontava uma garra afiada para a tela — é o poder de um deus! Não, não. A encarnação viva do deus do poder ! — concluiu exibindo o próprio corpo.

— Caramba, a Prunna tá com um olho de cada cor, igual você!

As palavras da arquibarda invocaram um espírito enorme de um dragão vermelho. A presença dele emanava a essência divina de Kally, inspirando e fortalecendo a todos. Em seguida, bradou uma canção de ressurreição, invocando todo o poder que somente o deus dos dragões poderia conceder. Grão por grão, o corpo de Mu se refez, trazendo-o de volta a vida e espantando o filho de Ragnar com tamanha força mágica que ela invocava.

Zanshin deslizava sua lâmina pelos Barghest com tanta facilidade que a lâmina pareceu fatiar o tempo e espaço. Sedrywen, tomada pela centelha de Glórienn, apontou uma flecha na direção de Drazag e bradou com a voz em dualidade. Uma mescla da sua própria e a da deusa dos elfos.

— Faça então o sacrifício supremo pelo seu deus e morra!

A flecha cravou fundo no peito do filho de Ragnar, que olhava a elfa incrédulo. Edauros encarava a tela boquiaberto enquanto o goblinoide era pulverizado por um único disparo e sentiu um calafrio percorrer a espinha. Pensava em como havia vencido aquelas pessoas tão facilmente. Então Sedrywen largou seu arco e sacou um enorme sabre élfico de uma bainha que definitivamente não servia para ele.

— Isso! Tudo conforme o plano! Vai garota! Vai irmã! — o deus dos dragões estava tão empolgado que seu corpo aos poucos inchava e escamas multicoloridas começavam a cobrir sua pele.

Na tela, a elfa com um sorriso insano no rosto cortou os lichs restantes com tanta facilidade que nem mesmo seus aliados acreditaram. Enquanto ela embainhava a arma, puderam ouvir Glórienn agradecendo. A vingança élfica finalmente havia chegado. Kallyadranoch atirou-se no sofá arfando, o corpo voltando ao normal. Edauros fez um muxoxo.

— Ah, não fique assim. As vezes o time que nós torcemos perde, acontece.

— Você disse que tudo rolou conforme seu plano, eu posso saber o que você anda armando?

— Não, do contrário as coisas poderiam mudar. O tempo é esquisito, conforme uma sábia me contou.

Os dois ficaram em silêncio um tempo assistindo o restante daquela transmissão multidimensional. A ação do combate e a que tiveram antes do show começar havia os exaurido. Até Kallyadranoch estava cansado, apesar que jamais admitiria. Com o olhar sonolento, uma última coisa chamava a atenção de Edauros.

— Meu senhor, se me permite uma última pergunta, por que há uma sombra estranha atrás do homem sobre o texto que diz mestre? É como uma réplica dele, mas mais sombria e parece vestir uma máscara…

O deus dos dragões não desviou o olhar da tela, seu sorriso desapareceu e apertou os lábios.

Ele não respondeu.

Sign up to discover human stories that deepen your understanding of the world.

Free

Distraction-free reading. No ads.

Organize your knowledge with lists and highlights.

Tell your story. Find your audience.

Membership

Read member-only stories

Support writers you read most

Earn money for your writing

Listen to audio narrations

Read offline with the Medium app

Diogo Stone
Diogo Stone

Written by Diogo Stone

Diogo é programadore, escritore, game designer e hater de impressoras. Uma pessoa entusiasmada que escreve contos de fantasia aqui e regras de RPG na Naiá Jogos

No responses yet

Write a response